“Para existir, a estrela depende do olhar dos outros”, esta citação feita pelo saudoso psicanalista David Zimerman, nos convida a refletir sobre o quanto a construção da nossa subjetividade e identidade dependem do reconhecimento do outro.
Quando falamos de reconhecimento é necessário falarmos de vínculo, que é basicamente, uma ligação psico-afetiva entre duas ou mais pessoas. Zimerman, no livro Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática apresentou o vínculo do reconhecimento, que aborda quatro conceitos: 1). A de reconhecimento de si próprio, de conhecer aquilo que já existe dentro de si, que existe de fato, é valorizado como alguém que é autônomo, é aceito e digno de ser amado pelos demais. 2). Reconhecimento do outro como alguém diferente dele, que não é seu espelho, que é autônomo, tem ideias, valores e condutas diferentes. 3). Ser reconhecido ao outro, como expressão de consideração e gratidão, assumindo a sua dependência e fragilidade, saindo de uma posição onipotente, onisciente e prepotente. 4). Ser reconhecido pelos outros, que contribui para a manutenção da autoestima e para que o vínculo seja positivo é imprescindível que haja um mútuo reconhecimento.
Os quatro conceitos abordados por Zimerman apresentam o reconhecimento como uma necessidade humana e que “é relevante destacar que até mesmo qualquer pensamento, conhecimento ou sentimento requer ser reconhecido pelos outros (…) para adquirir uma existência, ou seja, passar do plano intrapessoal, para o plano interpessoal, e vice-versa”.
No contexto do grupo, o psicanalista inglês Wilfred Bion, citado por Zimerman, afirma que “o homem é um “animal político” porque não pode realizar-se plenamente fora de um grupo, nem, tampouco, satisfazer qualquer impulso emocional sem que o componente social deste impulso se expresse”. Para Bion os vínculos estabelecidos no grupo proporcionam uma troca emocional entre seus membros, bem como o reconhecimento da sua individualidade, da individualidade dos outros e da coletividade. Portanto, o vínculo do reconhecimento é essencial para o desenvolvimento psicoemocional do ser humano, bem como para o significado que cada um terá para o outro.
Para a Psicodinâmica do Trabalho (PdT), abordagem teórico-metodológica formulada pelo médico e psicanalista francês Christophe Dejours, o reconhecimento é fundamental para que o trabalho faça sentido, proporcione vivências de prazer, promovendo a saúde mental.
Para a PdT o reconhecimento ocorre por meio de dois tipos de julgamentos: o utilitário e o estético. O julgamento utilitário é feito pelas relações hierárquicas (chefias, clientes), tem um caráter social, econômico e técnico. O julgamento estético é realizado pelos pares/colegas e compreende dois níveis: o primeiro refere-se ao julgamento quanto às normas de trabalho ou às normas da arte – há o reconhecimento do saber-fazer; e o segundo refere-se à originalidade do executante, que possibilita que o trabalho tenha a sua singularidade reconhecida, contribuindo para a construção da sua identidade – tem como base a saúde mental e psicossomática, implicando em pressupostos éticos e sociais.
Várias pesquisas confirmam este pressuposto da PdT, como a das pesquisadoras Vilela; Vieira e Garcia (2013) intitulada “Vivências de prazer-sofrimento no trabalho do professor Universitário: estudo de caso em uma instituição pública”. As autoras constataram que os professores sentem orgulho e se identificam com seu trabalho, o que faz com que tenham uma percepção de bem-estar e gratificação. Entretanto, os sentimentos de satisfação e de motivação dos professores diminuem pela percepção de não serem valorizados e reconhecidos. E concluem que “os docentes querem se sentir valorizados pela instituição e reconhecidos pela capacidade de realizar o que lhes foi confiado”.
Para que o reconhecimento promova a saúde mental é fundamental que seja expresso por aquilo que o trabalhador faz e não pelo que ele é. Ou seja, quando o reconhecimento refere-se a características pessoais, tende a gerar um sentimento de injustiça, pois prevalece o “pessoalismo” e não o reconhecimento do “saber-fazer”.
Para Dejours a ausência de reconhecimento leva os trabalhadores a se engajarem em estratégias defensivas (inconscientes) para evitarem o adoecimento mental, trazendo sérias consequências para a organização do trabalho e as relações socio-profissionais. Expressando-se em sintomas como, por exemplo: a falta de engajamento (presenteísmo), ausenteísmo, absenteísmo, acidentes de trabalho e outros. No entanto, quando as estratégias defensivas se esgotam ocorre o adoecimento mental e/ou somático.
Há culturas organizacionais em que o reconhecimento não é expresso ou pouco expresso, principalmente, nas que valorizam e estimulam a competição ao invés da colaboração. Para desenvolver uma cultura, que promova a saúde mental e fortaleça os vínculos de confiança e cooperação, os julgamentos das lideranças e dos colegas de trabalho devem expressar a contribuição-retribuição por meio do reconhecimento, contribuindo para que o trabalho tenha sentido, proporcione vivências de prazer e fortaleça a identidade social e a autoestima do trabalhador.
*Ana Silvia Alves Borgo é Psicóloga Organizacional e do Trabalho (CRP 08/03162), Mestra em Administração (UTFPR), Didata da SBDG-RS. Há 33 anos atua na área de gestão, desenvolvimento humano e organizacional, e de saúde mental no trabalho.
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