Este é o mês da campanha “Janeiro Branco”, criada em 2014 por um grupo de psicólogos mineiros. Em termos gerais, a proposta é promover a reflexão sobre a importância dos cuidados com a saúde mental. A campanha é direcionada para todas as pessoas, mas coloca em destaque aquelas que apresentam um “transtorno psiquiátrico”, com intuito de incentivá-las a buscarem ajuda profissional, livrando-se do preconceito existente em relação a essa condição, reconhecida como sinônimo de “fraqueza”, “perda da racionalidade”, entre outros significados negativos. Contudo, quando falamos de saúde mental, do que exatamente estamos falando? E qual a importância de uma campanha como essa?
Ao longo do tempo, diferentes significados para o conceito de saúde foram sendo legitimados pelos órgãos oficiais e direcionaram as políticas de saúde e as práticas dos profissionais pertencentes a esse campo. Alguns desses significados merecem ênfase e nos ajudam a compreender como historicamente a relação saúde-doença foi sendo reconhecida nas mais diferentes sociedades, trazendo implicações diretas para a vida das pessoas, a partir do entendimento sobre o processo de adoecer.
Com o advento da medicina moderna, e sua ênfase na dimensão biológica do comportamento humano, saúde passou a ser sinônimo de “ausência de doença”. Os estudos na área iniciavam-se na busca pelos agentes patogênicos presentes no meio ambiente, na sociedade, no organismo, no psiquismo. O processo de cura era visto como a eliminação da doença, e de seus causadores, priorizando-se a ação medicamentosa, mesmo nas “doenças mentais”.
Ainda que existam resquícios dessa concepção, com a criação da Organização Mundial de Saúde (OMS) aparece a definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade. Essa definição evidencia que a análise do processo de saúde-doença não se vincula apenas à dimensão biológica do corpo, mas também à dimensão psíquica e social, enfatizando-se a promoção de saúde em seus diferentes âmbitos.
A consideração da dimensão do contexto social na definição de saúde mental rompe com uma compreensão de saúde e doença baseada na responsabilidade exclusiva do indivíduo, pois considera-se que as questões sociais, culturais e históricas podem produzir o adoecimento ou promover a saúde. Nessa direção, a saúde mental é a busca constante de equilíbrio do ser humano diante das mais diferentes situações que ele enfrenta em um determinado contexto social, é um projeto pessoal e coletivo que pode se tornar um projeto social, a partir da criação de políticas de saúde, de educação, sociais, sanitárias, urbanas, que promovam relação mais saudáveis das pessoas com seu meio social e com as outras pessoas.
No contexto brasileiro, marcado por diferentes desigualdades, essa conquista deve ocorrer no enfrentamento das mais diferentes questões sociais e econômicas como a pobreza, a fome, a miséria, a violência, que produzem sofrimentos de ordem individual e coletiva. A promoção de saúde está relacionada com a construção da subjetividade individual e social e o desenvolvimento da consciência individual e do grupo. Isso implica em oferecer condições para que a população tenha autonomia para romper com os determinantes que fazem uma pessoa ou grupo adoecer. Precisa haver o envolvimento de todos e não apenas da população que está em sofrimento mental. Envolve a rede de apoio familiar, a criação e o fortalecimento de vínculos, melhores condições de atividades de trabalho e estudo, a oferta de serviços na área da cultura, esporte e lazer, e outras dimensões fundamentais da vida humana.
A informação é o primeiro passo para que todas as pessoas participem da criação e do fortalecimento das políticas de saúde mental, a partir da reflexão e da organização individual dos grupos que compõem as diferentes comunidades e suas demandas na área da saúde mental. Nisso reside a importância de campanhas como a do “Janeiro Branco”, “Setembro Amarelo”, entre outras. As reflexões propostas por esses movimentos podem produzir ações concretas que promovam estilos de vida saudáveis e estratégias pessoais e coletivas de enfrentamento das dificuldades, por meio da criação de políticas públicas e de ações educativas, sem esquecer da responsabilidade das autoridades executivas e legislativas que representam a população e devem colaborar para efetivação dessas políticas e ações.
* Wallisten Garcia é psicólogo, mestre em Psicologia pela UFPR, especialista em Terapia Familiar, doutorando em Educação pela UFPR e professor da Faculdade Estácio Curitiba
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