Cansaço da pandemia. Frequentemente se ouve esse argumento para uma rotina mais flexível, em especial com mais saídas de casa, mais encontro com familiares e amigos, mais idas a restaurantes e bares. A pandemia de Covid-19 forçou a população em geral a adotar medidas restritivas ou ainda sofrer impactos econômicos. O estresse gerado por isso causou o chamado cansaço da pandemia, o que mudou o comportamento das pessoas e resultou no aumento de casos de Covid-19 no mês de novembro no Brasil.
A taxa de transmissão do coronavírus acelerou nas últimas semanas em várias partes do país, reflexo do afrouxamento da prevenção e também de uma maior circulação de pessoas, como aconteceu em recentes feriados prolongados. Estas foram as razões apontadas por especialistas e também por autoridades de saúde.
Mas porque houve relaxamento na adesão das medidas de prevenção e o argumento de cansaço da pandemia?
A psicóloga Rose Benedetti, que trabalha no Hospital São Vicente, de Curitiba (PR), tem lidado diariamente com os pacientes com Covid-19 e seus familiares. De acordo com ela, o chamado cansaço da pandemia é normal de acontecer, em função do isolamento e da enxurrada de sentimentos negativos, como raiva, solidão e medo da própria pessoa ou de alguém próximo ficar doente. Ou ainda de perder o emprego ou o negócio. São fatores que vão se somando e potencializam o estresse no cenário atual.
Isto gera sinais físicos e emocionais. Entre os sintomas físicos estão dor de cabeça frequente, aceleração cardíaca e alteração de sono e apetite. Também não podem ser esquecidos o cansaço, a falta de energia e a tensão muscular. “Isso acontece tanto pelo processo de isolamento quanto pela expectativa de melhorar ou não e a possibilidade de uma piora deste cenário”, explica Rose.
Os sinais emocionais devem ser observados com atenção, em especial quando as emoções se tornam excessivas e persistentes. “Tudo se torna intenso. A irritação, por exemplo. Qualquer situação já é motivo para explosão”, cita. Além disso, aparecem a apatia, a impaciência, a alteração no humor e também o maior consumo de bebidas alcoólicas, cigarros e drogas.
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Cansaço da pandemia: reflexo do isolamento
O isolamento social fez com que muitas pessoas permanecessem com a família um tempo que nunca passaram. Perderam o momento para fazer algo prazeroso apenas para elas mesmas. Somam-se a esse cenário as preocupações e incertezas que a pandemia geraram e as demandas que se sobrepuseram. Os limites foram chegando, junto com os pensamentos repetitivos, a dificuldade de concentração e de tomada de decisão, além do agravamento da ansiedade e aumento da irritabilidade.
A corda ficou “muito esticada”, causando outras reações quando surgiram possibilidades de flexibilização, a partir da diminuição dos casos de Covid-19. “Quando começou a reduzir um pouco o controle, com medidas de flexibilização e a possibilidade da vacina, tudo isso fez com que as pessoas tivessem esperança pela flexibilização total da parte social e começaram a relaxar nos cuidados. As pessoas estavam buscando atividades em casa, mas esse tempo foi prolongado e muita gente não aguentou, tomando a postura contrária do que deveria ser (ou seja, minimizar os cuidados que até então estavam sendo tomados)”, opina Rose.
A psicóloga reforça que o cansaço da pandemia não significa esquecer que a doença existe ou que a prevenção é desnecessária. O cansaço e os limites devem ser reconhecidos, para que uma atitude seja tomada, mas não aquela que coloque as pessoas em risco.
Para a psicóloga, o que mais agrava o atual cenário é a postura de negação de algumas pessoas, como se nada estivesse acontecendo. “Converso com pessoas esclarecidas que me perguntam se tudo isso não é exagero. O isolamento não é satisfatório para ela, então nega e acha que está tudo bem. É um mecanismo de defesa, mas você se coloca em risco. Afinal, qual é a proteção nisso?”, questiona.
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Rose Benedetti fala que a pandemia trouxe uma dor diferente: uma dor na alma. Quem sentir esse cansaço da pandemia, quem sentir que está chegando ao seu limite, deve procurar ajuda. Instituições e profissionais estão atendendo a distância e até mesmo oferecendo programas gratuitos neste momento.
De acordo com a psicóloga, o desafio é buscar o equilíbrio entre cuidar da saúde mental e adotar as medidas de prevenção. “É possível fazer uma caminhada, por exemplo, para desestressar. Ou ainda levar as crianças para uma caminhada breve, mas evitando aglomeração, usando máscara, higienizando as mãos. É preciso se cuidar, mas ainda conseguir participar de algumas situações. Esse momento é tão diferente que precisamos nos reinventar em tudo. Mas temos recursos excelentes para nos conectar a distância, para brincar, conversar. Temos que buscar uma forma de fazer com que nosso corpo não sofra por essa pressão emocional tão grande”, orienta.
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