O uso do ventilador mecânico já é comum em grandes cirurgias, quando o paciente precisa ficar sedado, mas na pandemia de Covid-19 a necessidade de usar o aparelho para auxiliar na respiração é ainda mais frequente. Uma equipe de profissionais da saúde da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR) publicou um editorial de recomendações na revista científica Journal of Medical and Clinical Research.
O principal objetivo da publicação é orientar os profissionais da saúde para melhorar a qualidade da intubação de pacientes que precisam de ventilador mecânico e sobre as especificidades de uma UTI pediátrica no contexto da pandemia. “Buscamos relatar quais evidências temos para atuação dos fisioterapeutas nesse cenário da Covid-19 e também nortear nossos colegas na área da fisioterapia aplicada à pediatria. A pediatria em terapia intensiva é uma área que precisa de mais pesquisas, pois não tem tantas publicações e evidências como a fisioterapia aplicada na terapia intensiva em adultos”, diz a pesquisadora Camila Ribas, doutoranda em Fisioterapia na UFPR.
A recomendação publicada na revista internacional indica que o fisioterapeuta precisa trabalhar a via aérea do paciente, retirar a secreção pulmonar e monitorar a quantidade de oxigênio para tirá-lo o mais rápido possível do ventilador. “Já se sabe que muito oxigênio faz mal. O médico colhe um exame que mostra a quantidade de oxigênio no sangue. O fisioterapeuta reduz esse suporte de oxigênio, diminuindo a quantidade de pressão do ventilador e monitorando a melhora ou a piora desse paciente”, explica Valéria Neves, também doutoranda em Fisioterapia na UFPR.
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A especificidade de trabalhar com crianças está no fato de que elas ainda estão no processo de desenvolvimento de seus órgãos e o pulmão é mais suscetível a precisar do ventilador mecânico em caso de doença pulmonar, como a Covid-19. “E mesmo que seja mais raro desenvolver a doença com quadros mais graves, existem crianças com doenças crônicas respiratórias e a Covid-19 nesses casos é um agravante”, acrescentam as cientistas.
Além de Camila e Valéria, são autores do artigo os pesquisadores Emilly de Souza, residente da área de Saúde da Criança na UTI do CHC-UFPR; doutora Adriana Koliski, médica e chefe da UTI; e doutor José Eduardo Carreiro, professor da UTI pediátrica e orientador das pesquisas.
Fisioterapia e Covid-19: como funciona a ventilação mecânica
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p class=”ql-align-center”>A fisioterapeuta Valéria Neves desenvolve durante o doutorado um sistema que cuida da qualidade da intubação traqueal no paciente (Foto: Divulgação)
Valéria Neves trabalha diretamente com ventilação mecânica na UTI pediátrica do CHC-UFPR e esse também é seu tema de pesquisa no doutorado em Fisioterapia na Universidade. O estudo dela consiste no desenvolvimento de um sistema que cuide da qualidade da intubação traqueal no paciente para que o tubo não saia do lugar enquanto está ventilando o pulmão.
Em cirurgias com a pessoa sedada ou em casos de insuficiência respiratória é necessário fazer o procedimento para que o ventilador mecânico auxilie na respiração. O tubo entra pela boca do paciente, passa pela garganta e vai para traqueia. E é nesse tubo que é adaptado o ventilador. Durante a pandemia de coronavírus, o procedimento tornou-se ainda mais comum e importante para o tratamento do pulmão comprometido e melhora da respiração.
Durante o uso de ventilador mecânico pode ocorrer a chamada extubação não planejada. A extubação acontece quando esse tubo sai do lugar e o paciente corre o risco de não respirar. Isso pode ocorrer quando o paciente acorda, se mexe ou até mesmo por alguma intervenção médica, o que pode resultar inclusive em morte. “A gente usa a ocorrência da extubação na UTI como um indicador de qualidade e isso é mundial. Por isso é tão importante”, afirma a fisioterapeuta.
Os pesquisadores explicam que a extubação é perigosa, porque além de oferecer risco à saúde do paciente, gera riscos aos profissionais da saúde e familiares. “Quando o tubo sai do lugar é o momento em que mais são produzidos aerossóis, porque o paciente espirra ou tosse. O aerossol é a partícula que contém o vírus e o coronavírus, no caso da Covid-19, é altamente contagioso”.
Em crianças a situação é mais recorrente e ainda mais complicada, porque no caso de um bebê, por exemplo, ele não sabe que o tubo pode sair do lugar caso se mexa. Orientar sobre a qualidade na UTI para evitar a perda do tubo é outro objetivo da publicação das pesquisadoras. “A nossa ideia é estabelecer um fluxo, um processo de trabalho em que se tenha um menor risco disso acontecer na UTI. Isso é importante inclusive do ponto de vista de custo. Nos Estados Unidos já foi contabilizado que são milhões de dólares que a gente paga a mais por acontecer a extubação”, relata Valéria.
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Covid-19 e respiração mecânica por mais tempo
Devido ao tempo que os pacientes ficam intubados, sedados e imobilizados a musculatura pode atrofiar. Inclusive porque a Covid-19 deixa os pacientes no ventilador mecânico por um período maior. O tempo médio para outras doenças que era de cinco dias, agora é de 15 a 20 dias. O fisioterapeuta em UTI também trabalha a parte motora desses pacientes, porque sem a intervenção desse profissional essas pessoas vão demorar mais tempo para voltar às atividades normais. “O objetivo da fisioterapia é reduzir o tempo que o paciente vai ficar em terapia intensiva”, diz Valéria.
Camila explica através de uma experiência prática com um bebê de apenas 28 dias que contraiu Covid-19 na UTI e precisou ficar quatro dias em ventilação mecânica a importância da profissão e de uma equipe multidisciplinar bem treinada no hospital. “Agora com a pandemia e o manejo dos aparelhos de ventilação mecânica e com os protocolos de mobilização precoce nas UTIs, a fisioterapia realmente pode mostrar o trabalho numa unidade de terapia intensiva”.
As pesquisas realizadas pelas fisioterapeutas também resultaram em um projeto de inovação chamado de “Gestão de qualidade: sistema de vigilância extubação não planejada”. A ideia foi para o concurso Inovação no Setor Público 2020 da Enap (Escola Nacional de Administração Pública) e está entre os seis finalistas ao prêmio principal depois de ser selecionado entre mais de 300 projetos. O sistema busca monitorar o paciente para melhorar a qualidade da respiração e evitar que o tubo saia do lugar.
* Texto: Bruno Caron, da Agência Escola UFPR