Essa pandemia serviu, além de nos deixar distantes socialmente, para nos afastar da pouca ajuda que tínhamos (para quem pode ter e que, ainda assim, é uma ajuda que vem de outras mulheres) e para transformar nossa rotina já intensa em uma loucura. O que já não era fácil ficou ainda mais desafiador.
Vivemos vencendo desafios, muitos mesmo, mas trabalhar é como malabarismo. Fora de casa é difícil, dentro de casa as tarefas domésticas não têm fim… E quando você trabalha fora e dentro?
É isso mesmo, o mundo te cobra lá fora e o seu mundo de dentro puxa sua saia, grita do banheiro, pede mais comida e ajuda com o computador… Mulheres estão sobrecarregadas, já é estatística, mais uma. E a divisão de tarefas? Onde está a tribo que todas deveríamos ter?
Homens têm uma licença social para não assumir esse trabalho doméstico e com os filhos. É muito bem aceito que eles se disponibilizem totalmente ao seu trabalho e saiam de casa para trabalhar sem se preocupar com quem irá alimentar, vestir, limpar, levar e buscar, sustentar física e emocionalmente os filhos, fazer compras, lavar e passar etc. É culturalmente enraizado, uma raiz bem profunda, daquelas que requerem esforço árduo para serem arrancadas, e ainda, como praga, mesmo arrancadas, voltam a brotar.
Uma crise traz à tona a dificuldade que é viver vários papéis e não ter valorizado nenhum deles na forma como deveria. Mulheres e o seu trabalho são um dos pilares desse sistema injusto que tem como prioridade o capital e o lucro. Enfim, somos um pilar importante, mas, mesmo assim, boa parte desse trabalho explorado não é remunerado. O trabalho doméstico e da maternidade envolvem uma entrega feminina de cuidado extrema, já que não há uma divisão de tarefas e responsabilidades entre homens e mulheres, uma divisão equânime. Não é algo que faça parte da nossa dinâmica social.
Não é difícil medir essa dedicação, mas trabalhamos tanto e são tantos malabarismos, que poucas vezes paramos para analisar essas jornadas, principalmente a jornada de uma mãe. Uma mãe que vê seu filho de banho tomado e pijamas à noite tem, ainda que inconscientemente, uma sensação intensa de dever cumprido. Essa mãe chegou ao final do dia com seu filho vivo, alimentado, orientado, vestido e envolvido em carinho, não tenha dúvidas, mas depois de uma jornada pesada e de muita responsabilidade. Como bem disse Silvia Federici, “O que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago”. É verdade que há muito amor envolvido, mas é, essencialmente, responsabilidade pela manutenção e sustentabilidade da vida.
Uma mulher trabalha muito para que outros seres humanos cresçam e se desenvolvam. Seus filhos, filhos de outras pessoas, sobrinhos, netos. E mulheres também trabalham muito cuidando da família, de seus cônjuges, pais, amigos, vizinhos etc. Uma mulher trabalha sem remuneração para que a economia cresça e a vida aconteça.
Esse trabalho árduo envolve a dedicação direta da mulher em todas as atividades da casa e com os filhos e, também, envolve trabalho mental, de controle, ou seja, a mulher, ainda que tenha ajuda, é sempre responsável por controlar horários, quantidades, organização, cardápios etc. Durante a pandemia, muitas mulheres foram obrigadas a manter o trabalho formal e conviver com a demanda doméstica ao mesmo tempo e no mesmo ambiente. Houve um aumento da necessidade de monitoramento e companhia durante a pandemia, segundo 72% das mulheres entrevistadas para pesquisa realizada por www.mulheresnapandemia.sof.org.br.
Tudo isso para contextualizar a situação precária do trabalho da mulher, um trabalho essencial e invisível, que retrata a mulher nas piores estatísticas, sem falar em questões de raça e posição social. Essa situação precisa ser transformada, com consciência, com vontade política e social, com educação.
Educação no sentido de orientar e retirar nossas crianças de um mundo onde tudo se resolve de forma mágica. Claro que devemos estimular a fantasia nas crianças, mas é importante que saibamos o momento de trazer essas crianças para a realidade da vida, mostrar os processos, para que elas reconheçam o trabalho que há por trás de tudo que usufruem.
Crianças precisam ir além do comer, precisam saber de onde vem os alimentos e o trabalho envolvido nisso, por exemplo, para que não se tornem adultos que entendem que a louça desaparece, que a roupa brota limpa e passada nas gavetas, e que possam valorizar todo e qualquer trabalho de apoio e suporte, até mesmo fora de casa, como impressora sempre com papel, grampeadores abastecidos de grampos, bebedouros cheios de água etc. Em tudo há um processo e uma cadeia de produção e trabalho, e isso se aprende.
Essa é uma missão não só de pais e mães, é uma missão de toda a sociedade.
* Em caso de necessidade própria ou de outra mulher que esteja passando por qualquer tipo de violência, entre em contato com a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.
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p class=”ql-indent-1″>Este é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. As ligações para o número 180 podem ser feitas de qualquer aparelho telefônico, móvel (celular) ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, aos finais de semana e feriados inclusive.
Referências Bibliográficas
MULHERES NA PANDEMIA – Disponível em: www.mulheresnapandemia.sof.org.br. Acesso em: 15/09/2020.
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