De 2018 a 2022, a quantidade de caixas do dimesilato de lisdexanfetamina passou de 618 mil para 1,4 milhão (dados do Sindicato da Indústria de Produtores Farmaceuticos – Sindusfarma). A substância é o princípio ativo do Venvanse, medicamento que estimula o sistema nervoso central, indicado para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH).
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É sabido que em regiões de maior concentração de empresas, principalmente do mercado financeiro, a venda de psicoestimulantes é expressiva em comparação a outros pontos do país. O público cativo é formado por executivos que miram potencializar o foco e a produtividade. Estudantes em fase pré-vestibular também fazem parte dos usuários.
O impacto do uso indiscriminado e sem prescrição desses medicamentos tem sido percebido no consultório odontológico. O cirurgião dentista do Ateliê Oral, Marcelo Kyrillos, aponta para o crescimento dos casos de bruxismo e de erosão dentária em pacientes executivos.
O especialista destaca ainda para o aumento de pacientes com dores crônicas nos músculos relacionados à mastigação, na musculatura da face e do pescoço, e com deficiências na função mastigatória e na articulação temporomandibular (ATM). Segundo ele, as ocorrências são diagnosticadas majoritariamente em executivos que fazem uso desses medicamentos.
O neurocirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein, Wanderley Cerqueira, explica a relação apontada por Kyrillos: “O bruxismo está como uma das consequências mais comuns dos psicoestimulantes, quando não tomados de forma prescrita, o que explica os casos relatados nos consultórios odontológicos. Com a grande carga elétrica, o indivíduo dorme mal, ou tem um sono muito leve. Esse período de supressão do sono REM (que é o sono de maior qualidade), é o momento no qual o bruxismo atua intensamente. Fora isso, todo o enrijecimento do corpo causado pela hiperatividade leva a um apertamento da região da face, desencadeando as queixas de erosão dentária e de dores articulares e cervicais observadas”, explica.
O executivo Raphael Soares (41) tomou Venvanse durante alguns meses. Não sendo diagnosticado com TDAH ou transtorno similar que pudesse justificar o uso do medicamento, seu consumo – que não era diário – tinha como único objetivo aumentar a concentração e a produtividade. “O uso potencializou uma ansiedade já existente. Comecei a ter aquela dor tensionada na cabeça, no pescoço e na cervical, boca seca, enxaqueca, e até dificuldade para abrir o maxilar, que chegava a estalar”, conta.
Após um ano de ter deixado o estimulante, Raphael segue fazendo tratamentos para liberação neurofacial, incluindo desprogramação neuromuscular no consultório odontológico para permitir ao cérebro criar novas ligações para tirar a sobrecarga da musculatura da face e do pescoço, além de reprogramar a respiração nasal e a qualidade do sono.
Kyrillos salienta que esse tipo de tratamento é feito nos consultórios odontológicos por ser diretamente atrelado a um sistema chamado Estomatognático “esse sistema está relacionado aos músculos da mastigação, às articulações temporomandibulares (ATMs), e ao nervo denominado trigêmeo, que é um dos principais nervos responsáveis pela sensação na face e pela função motora dos músculos da mastigação. Esse sistema é fundamental para a fala, a mastigação e a deglutição”, explica.
Esse tipo de tratamento pode minimizar o ranger os dentes, que é o bruxismo propriamente dito. Porém, ele destaca que não haverá efetividade se o paciente continuar tomando esses estimulantes indiscriminadamente. “Nada que é feito sem orientação médica sai ileso. O corpo vai cobrar, e é nosso papel apontar até onde esses efeitos colaterais graves estão chegando: em nossa cadeira”, frisa.
*Informações Assessoria de Imprensa