Violência contra crianças e adolescentes: serviço de saúde exerce um papel fundamental no combate e no acolhimento

No dia 18 de maio é lembrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. E, quando fala de violência contra crianças e adolescentes, o serviço de saúde exerce um papel fundamental no combate e no acolhimento das vítimas. Os hospitais, por exemplo, estão preocupados com o reflexo do isolamento social no registro de casos. Como são a “ponta” de todo este cenário, perceberam uma diminuição nos casos atendidos.

No Hospital Pequeno Príncipe, referência no atendimento pediátrico em Curitiba (PR), houve o atendimento de metade da média de casos relacionados à violência de crianças e adolescentes no mês de abril deste ano. A média é de 60 atendimentos por mês. Apesar de representar uma queda, isto gera preocupação. Primeiro porque, segundo o hospital, estão chegando casos mais graves agora; segundo, porque pode estar acontecendo uma falta de denúncias dos casos. Por isso, o Pequeno Príncipe reforça que, mais do que em qualquer outro momento, é preciso redobrar a atenção e que, em casos suspeitos, é preciso denunciar às autoridades.

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Lar

A equipe do Pequeno Príncipe também chama atenção sobre o fato da maior parte dos casos ocorrer dentro das casas das vítimas. Com o isolamento social, isto pode estar sendo intensificado. Sem aulas nas escolas, as crianças e os adolescentes têm passado mais tempo em casa. O lar deveria ser um local seguro para eles, sem abusos ou agressões. Mas, infelizmente, esta não é a realidade de muitos meninos e meninas, que, em um efeito não intencional do isolamento, podem estar mais expostos a diferentes tipos de violência. 

Segundo dados divulgados pela Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho do Paraná, o número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes recebidas pelo telefone 181 (Disque-Denúncia estadual) cresceu 12% no período de janeiro a abril de 2020, se comparado ao mesmo período de 2019. De janeiro até o dia 20 de abril deste ano, o Pequeno Príncipe registrou 171 pacientes atendidos vítimas de negligência, violências sexual, física e psicológica, por exemplo. 

A situação já foi reconhecida pela Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, que alertou que crianças e adolescentes estão mais expostos a situações de violência física, sexual e psicológica devido ao aumento das tensões intradomiciliares, também como reflexo da pandemia do novo coronavírus.

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) reforçou a importância do papel da rede de proteção e dos profissionais de saúde no acolhimento, cuidado e proteção das crianças e dos adolescentes, de forma integral e humanizada.

“Em tempos de pandemia e distanciamento social, temos que estar atentos e alertas, garantindo cada vez mais o direito das crianças e dos adolescentes. É fundamental promover debates e reflexões sobre este tema, desenvolver ações e estratégias de proteção direcionadas para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, visando à garantia do pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes de forma digna, saudável e protegida, livres do abuso e da exploração sexual”, revela a diretora de Atenção e Vigilância em Saúde da Sesa, Maria Goretti David Lopes.

Idade

Dados do Hospital Pequeno Príncipe apontam que, somente em 2019, foram 689 casos de meninos e meninas vítimas de maus-tratos e violência. A maior parte deles – 73,8% – aconteceu no ambiente doméstico e 457 registros foram de violência sexual. As meninas foram as vítimas mais frequentes – 66,7% dos atendimentos – e, em 65,9% do total de casos atendidos, os pacientes estavam na Primeira Infância; ou seja, tinham até seis anos de idade. 

A psicóloga Daniela Prestes, uma das responsáveis pelo atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência do Hospital, explica que até os sete anos de idade, as crianças não entendem ao certo os sentidos figurados; estão exercitando essa linguagem. “Por isso, devemos desmistificar a ideia de que o agressor é um monstro. Por vezes, a dificuldade da denúncia está atrelada a isso. Como um tio querido por toda a família é um monstro? Como o padrasto tão carinhoso com a mãe é um monstro? O primo que promove os churrascos familiares pode ser um monstro?”, ressalta.

Sinais de alerta

Estar atento aos sinais da negligência e das violências sexual, física e psicológica é fundamental para a proteção das crianças e dos adolescentes. Dentre eles, estão choro excessivo; hematomas em várias partes do corpo e de diferentes colorações; fraturas próximas das articulações, em costelas ou de crânio; desnutrição; aspecto de má higiene; distúrbios alimentares; medo exagerado; agressividade; e irritação. E em tempos de distanciamento social, é preciso ficar alerta para outros aspectos, como fatos que sejam muito diferentes do padrão da vizinhança de cada casa, como gritos e choro excessivo de uma criança.

Outra questão importante para garantir a segurança dos meninos e meninas é a denúncia de casos suspeitos de violência, um gesto que pode salvar vidas. Há vários canais que recebem essas denúncias, sendo que os relatos podem ser feitos, inclusive, de forma anônima. Em Curitiba, a prefeitura da cidade disponibiliza o serviço telefônico 156.

Há também o Disque-Denúncia estadual, pelo número 181, e o Disque-Denúncia nacional, pelo Disque 100. A ligação é gratuita. “Muita gente acha que os pais são ‘donos’ da criança. Mas isso não é verdade. É responsabilidade de toda a sociedade proteger essas crianças e adolescentes”, lembra a psicóloga.

2019

Dados do Sistema de Informação de Agravos (SINAM) mostram que em 2019, dos 40.551 mil casos notificados de violência interpessoal/autoprovocada no Paraná, 44,01% (17.863) são casos envolvendo crianças e adolescentes. No que se refere às notificações de violência sexual, os dados no estado são alarmantes: dos 4.326 registros no sistema, 76,9% (3.329) foram praticados contra crianças e adolescentes.

Só nos primeiros meses deste ano, o Governo Federal registrou 4,7 mil novas denúncias. Os números mostram que mais de 70% dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes são praticados por pais, mães, padrastos ou outros parentes próximos das vítimas. Também em mais de 70% dos registros, a violência foi cometida na casa do abusador ou da vítima.

“Estes dados demonstram a importância da prevenção ao enfrentamento desse grave problema de saúde pública, é imprescindível a articulação de ações intersetoriais para proteger este público e responsabilizar os agressores, bem como conscientizar a população sobre formas de identificar e denunciar os casos suspeitos”, alerta o secretário de Estado da Saúde, Beto Preto.

Segundo o secretário, é preciso mobilizar a sociedade a participar da luta em defesa dos direitos de crianças e adolescentes. “Precisamos garantir a toda criança e adolescente o direito ao seu desenvolvimento de forma segura e protegida, livres do abuso e da exploração sexual, é preciso falar sobre o assunto, mobilizar os diferentes setores da sociedade, comover a opinião pública e trazer a tona essa discussão contra a violência sexual de crianças e adolescentes”, afirmou.

Campanha Pra Toda Vida

Reforçando que, quando se trata de violência contra crianças e adolescentes, o serviço de saúde exerce um papel fundamental no combate e no acolhimento, o Hospital Pequeno Príncipe desde a década de 1970 mobiliza seus colaboradores e parceiros para agir em casos de maus-tratos e violência contra meninos e meninas. Em 2006, em mais um passo para fortalecer a mobilização da sociedade sobre o tema, o Pequeno Príncipe lançou a Campanha Pra Toda Vida – A violência não pode marcar o futuro das crianças e adolescentes. A meta é reforçar a ideia de que o cuidado e a proteção dos meninos e meninas são responsabilidade de toda a sociedade, e que em uma atuação conjunta é possível transformar a vida de cada um deles.

Todos os anos, a Campanha Pra Toda Vida mobiliza e conscientiza a população sobre o tema, bem como incentiva a denúncia dos casos suspeitos de agressões e abusos. Em 2020, a iniciativa tem como mote #fiqueemcasacomamor, que visa reforçar a importância de que o lar precisa ser um local seguro para crianças e adolescentes de todo o Brasil, principalmente durante o período de pandemia da Covid-19.

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