Troca de cadeiras

    Recentemente fiz uma consulta de retorno com a dermatologista indicada pelo médico de família para levar os resultados de alguns exames que ela havia solicitado. Os resultados estavam bons; por diversas vezes ela verificou o estado de minhas mãos, confirmando que o tratamento começado estava surtindo bons efeitos. Encerramos a consulta conversando sobre férias, viagens, Espanha…

    Após sair do consultório, refleti sobre o que nós, como clientes de um médico, esperamos receber do atendimento prestado. Já faz tempo que médicos são considerados semideuses, habitantes do Olimpo das profissões e quando se trata de relacionamento e atendimento com seus clientes esta percepção de semideus vem a tona mais fortemente. Quem nunca foi a uma consulta marcada para determinado horário e foi atendido 15, 20, 30 ou mais minutos depois, levando a um crescente de irritação e perda de paciência? Talvez esse procedimento contribua para a construção da imagem dos médicos …

    Quando você se sente acolhido, desde a recepção pela secretaria até o encerramento da consulta, poderá notar que nem todos os médicos moram no Olimpo, pois há ainda alguns que atendem com prazer e desprendimento seus clientes, não importando se é consulta paga de forma particular ou por convênio. Isso conta na balança quando decidimos continuar com o mesmo médico.

    Com certeza o acolhimento, o respeito, o tratamento gentil, o abraço contam muito, podem fazer a diferença, já que nas consultas de 20 minutos ou menos de hoje em dia não há tempo para nada, nem mesmo para olhar nos olhos durante a conversa. Se houver conversas, outras que não a que levou o cliente ao consultório, então, o tempo disponível para avaliar sintomas e histórico serão reduzidos mais ainda.

    Mas, o que o cliente quer, o que ele busca quando vai ao consultório? Os médicos de família e comunidade que me atendem conversam com seus clientes sentados lado a lado numa transformação simbólica do que comumente vigora até hoje com outras especialidades: médicos atrás de uma mesa com o cliente a sua frente, já denotando separação clara na relação entre um e outro, pela identificação dos papéis. Tal mudança simbólica do jeito de atender é suficiente para alterar comportamentos?

    Provavelmente não. A mudança de posição da cadeira é só mais uma alegoria, um simbolismo. Minha visão é que o atendimento cordial e respeitoso é fundamental. Mas também não é só isso. Quando você vai a uma consulta, espera sair com a avaliação dos resultados dos exames positiva; você tem expectativas que o tratamento prescrito esteja sendo efetivo para a cura ou minimização dos incômodos de uma doença de pele. Foi exatamente isso que esperava ansiosamente receber naquela reconsulta … e foi o que recebi.

    É claro que nem sempre resultados serão positivos, exames estarão bons ou curas se realizaram, mas, ainda assim, é importante o relacionamento como parte da entrega ao cliente para atender expectativas mínimas.

    Aliado aos alvissareiros resultados obtidos com o tratamento, a relação respeitosa e amável médico-cliente desenvolvida no decorrer das consultas, contribuiu para solidificar a percepção de que recebi o que esperava, transformando-se em uma experiência bastante animadora.

    Se como cliente recebo o que espero, a satisfação é natural. Na minha opinião, clientes de médicos esperam receber resultados entregues por meio de um bom relacionamento, não importa se sentados lado a lado ou frente a frente. Com a ressalva que resultados podem não ser tão bons quanto o imaginado.

    Por outro lado, a rápida transformação digital pela qual passamos não pode ser deixada em plano secundário, porque, de alguma forma, ela entrará no relacionamento médico – cliente, seja pela inteligência artificial, seja por sistemas mais avançados de diagnóstico e detecção de doenças ou ainda pela internet das coisas. Nesta altura, qual será a necessidade de uma consulta inicial se o diagnóstico poderá ser dado de forma “robotizada”?

    Costumes e práticas mudam, por vezes muito lentamente por estarem arraigados, mas, por outras, a ruptura é drástica e rápida, não possibilitando readequações. Quando isso ocorrerá? Quando a transformação tecnológica e digital forçará a mudança até no relacionamento médico – cliente? Acredito que neste momento já esteja ocorrendo!