Cerca de 70 a 80% dos casos de câncer na região de cabeça e pescoço são diagnosticados quando a doença está em fase avançada, resultando em menor chance de controle da doença, pior qualidade de vida, maiores taxas de morbidade e mortalidade, maior risco de mutilação em razão da necessidade de cirurgias mais extensas, maior complexidade de outras modalidades de tratamento e maior demanda por reconstrução facial, assim como mais desafios na reabilitação do paciente.
Com a pandemia, a demora no diagnóstico desses tumores pode ser potencializada, alerta a Sociedade Brasileira de Patologia (SBP). Levantamento feito pela entidade aponta que ao menos 70 mil brasileiros deixaram de receber o diagnóstico de algum tipo de câncer entre março e junho. Em alusão ao Julho Verde, mês de conscientização sobre o câncer de cabeça e pescoço, a orientação da SBP é que a população não negligencie os sintomas e procure atendimento.
De acordo com o médico patologista e diretor de Ensino da SBP, Felipe D´Almeida Costa, o impacto dos casos ainda mais avançados que estão sendo diagnosticados vai se refletir na taxa de mortalidade. “O risco que se desenha à frente, após esta pandemia viral, é de uma verdadeira epidemia de diagnósticos oncológicos avançados, fato que atinge gravemente os pacientes com tumores malignos na cabeça e pescoço, pois complica sua situação diagnóstica, que em tempo habituais já não é a ideal”, destaca o especialista, que é titular do Departamento de Anatomia Patológica do A.C.Camargo Cancer Center e Coordenador Médico de Educação da Patologia da Dasa.
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Incidência no Brasil e no mundo
Os tumores de cabeça e pescoço mais comuns são aqueles que afetam as vias aerodigestivas superiores, como a língua e a cavidade oral, assim como a orofaringe, rinofaringe, laringe, cavidade nasal e os seios paranasais. Em conjunto, os tumores de cabeça e pescoço são o nono tipo de câncer mais comum e os principais fatores de risco são o tabagismo e etilismo. “Quando a pessoa fuma e consome bebida alcoólica a probabilidade de desenvolvimento de câncer se potencializa”, alerta Costa.
Para 2020, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), são estimados 15.190 novos casos de câncer na cavidade oral (11.180 em homens e 4.010 em mulheres) e 7.650 novos casos na laringe (6.470 em homens e 7.650 em mulheres)1. No mundo, segundo o levantamento Globocan 2018, da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS), foram registrados no mundo 350.864 novos casos e 177.384 mortes por câncer de cavidade oral em 2018. O câncer de laringe foi o segundo mais comum da região de cabeça e pescoço, com 177.422 novos casos e 94.771 mortes2.
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Por que é importante o diagnóstico precoce?
Quanto mais cedo a doença for diagnosticada, os tratamentos serão menos invasivos, complexos e mutiladores. Resulta também em maior chance de cura e melhor reabilitação, impactando na melhora da qualidade de vida e redução das taxas de mortalidade. Dados sobre câncer de cavidade oral e laringe do levantamento SEER, do Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos (NCI), apontam que 89% dos pacientes estão vivos cinco anos após o tratamento quando o tumor era inicial, localizado apenas no órgão. Quando a doença se espalha pelos linfonodos a taxa de sobrevida em cinco anos cai para 66,8%. Com doença à distância (metástase) a taxa é de 40,1%3.
A triagem do diagnóstico do câncer de cavidade oral começa na saúde primária, pelo exame clínico (visual) durante consulta ou durante atendimento com o dentista. A confirmação deste diagnóstico depende da biópsia. Esse procedimento, na maioria das vezes, pode ser feito de forma ambulatorial, com anestesia local, por um profissional treinado. A análise do material retirado em biópsia é feita pelo médico patologista, responsável por definir o subtipo e grau de agressividade.
Alguns exames de imagem, como a tomografia computadorizada, também auxiliam no diagnóstico, e, principalmente, ajudam a avaliar a extensão do tumor. O exame clínico associado à biópsia, com o estudo da lesão por tomografia (nos casos indicados) permitem ao cirurgião definir o tratamento adequado. As lesões muito iniciais podem ser avaliadas sem a necessidade de exame de imagem num primeiro momento. “O diagnóstico inicial permite tratamento com melhor resultado funcional, visto que tumores diagnosticados em estágios mais avançados vão implicar em tratamentos mais agressivos, com maior chance de sequelas”, explica o médico patologista Felipe D´Almeida.
O especialista aconselha que, para evitar que o diagnóstico tardio se estabeleça, é fundamental que os pacientes com alguma sintomatologia ou mesmo já com diagnóstico e em programação de tratamento, não deixem de buscar seus médicos assistentes, suas clínicas e hospitais. “Nós, enquanto médicos patologistas, estamos de prontidão para fazer os diagnósticos da maneira mais precisa e ágil, proporcionando aos doentes uma possibilidade de iniciar brevemente suas avaliações e planos terapêuticos. Pois o câncer não descansa. Nós também não”, reforça.
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Como prevenir?
Diferente de muitos tipos de câncer, em que as principais etiologias (causas) não são conhecidas, os principais fatores de risco para desenvolvimento de câncer de cabeça e pescoço são bem estabelecidos: não fumar, evitar consumo de bebidas alcoólicas e se prevenir contra o vírus HPV, medida para a qual há vacinas na rede pública e privada de saúde, para imunização de meninos e meninas
Desde janeiro de 2017, o Ministério da Saúde oferece a proteção de meninos contra o vírus HPV. Essa medida se soma à imunização que já ocorria desde 2014 nas meninas. As vacinas contra HPV protegem contra os dois subtipos do vírus mais associados com câncer. Esses HPVs oncogênicos – 16 e 18 – são também prevalentes em tumores de cabeça e pescoço, principalmente de orofaringe.
Atenção aos sinais e sintomas
A existência de qualquer dos sinais e sintomas abaixo pode sugerir a existência de câncer, cabendo ao médico avaliar a necessidade de se pedir outros exames para confirmar ou não o diagnóstico. Muitos desses sinais e sintomas podem ser causados por outros tipos de câncer ou por doenças benignas. É importante consultar o médico ou o dentista se qualquer desses sintomas persistir por mais de duas semanas. Quanto mais cedo for feito o diagnóstico e iniciado o tratamento, maiores são as chances de sucesso:
– Ferida na boca que não cicatriza (sintoma mais comum)
– Dor na boca que não passa (também muito comum, mas em fases mais tardias)
– Nódulo persistente ou espessamento na bochecha
– Área avermelhada ou esbranquiçada nas gengivas, língua, amígdala ou revestimento da boca
– Irritação na garganta ou sensação de que alguma coisa está presa ou entalada na garganta
– Dificuldade para mastigar ou engolir
– Dificuldade para mover a mandíbula ou a língua
– Dormência da língua ou outra área da boca
– Inchaço da mandíbula que faz com que a dentadura ou prótese perca o encaixe ou incomode
– Dentes que ficam frouxos ou moles na gengiva ou dor em torno dos dentes ou mandíbula
– Mudanças na voz
– Nódulos ou gânglios aumentados no pescoço
– Perda de peso
– Mau hálito persistente
Referências
1 – Estimativa 2020 : incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer. José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro : INCA, 2019. 120 p.
2 – Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394‐424.
3 – Howlader N, Noone AM, Krapcho M, Miller D, Brest A, Yu M, Ruhl J, Tatalovich Z, Mariotto A, Lewis DR, Chen HS, Feuer EJ, Cronin KA (eds). SEER Cancer Statistics Review, 1975–2017, National Cancer Institute. Bethesda, MD, https://seer.cancer.gov/csr/1975_2017/, based on November 2019 SEER data submission, posted to the SEER web site, April 2020.
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