Sobre o cuidar

Tudo a nossa volta precisa de cuidados, uma planta, um animal, nossa casa, o próprio ser humano, em qualquer das fases do ciclo vital, o meio ambiente, o planeta.

Todos nascemos com potencial para o cuidado, o que significa que todos podemos e somos capazes de cuidar.

Todos nós cuidamos ou podemos cuidar de alguém ou de algo, isso não é só um privilégio de uma classe profissional, e não cabe somente a área da saúde. A mãe cuida do filho, o professor cuida do aluno, o motorista cuida para bem transportar seus passageiros, quem semeia cuida para que o alimento chegue com qualidade na mesa daqueles que vão alimentar-se dele, um religioso cuida dos seus fiéis. Como vemos, o cuidado vai além, muito além. E em todas as direções.

Há uma diferença, porém, quando escolhemos o cuidado como profissão, a atitude de cuidar na área da saúde. Cuidam médicos, cuidam enfermeiros, cuidam psicólogos, cuidam fisioterapeutas, cuidam todas as outras profissões voltadas para a assistência à saúde, seja ela física ou emocional. E nesse sentido nossa atuação precisa ser impecável, porque quem está do outro lado precisa de um ser íntegro para cuidar e acolher suas dores e necessidades, sejam elas quais forem.

Cuidar é então uma ação, é uma arte, é um processo. E ocorre do início à finitude da vida.

Como nos diz Leonardo Boff, o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.

E complementa dizendo que o cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância pra mim. Passo então a dedicar-me a ele; disponho-me a participar do seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, da sua vida.

Um ser humano só pode ser cuidado por outro ser humano, embora este, em sua condição, possa cuidar de qualquer outro ser vivo. Mas só um ser humano é capaz de sentir empatia por outro ser humano, entender suas necessidades, entendendo que todos somos vulneráveis.

No entanto para que possamos prestar um mínimo de cuidados precisamos estar bem conosco mesmos. Para me disponibilizar ao outro preciso estar íntegro comigo mesmo. Não conseguimos estar inteiros para o outro quando algo falta em nós. Isso é ética no cuidado.

E nessa relação não podemos esquecer de levar em conta o ser total da pessoa a quem prestamos cuidados. Qual a sua história? Quem é a pessoa que num momento de fragilidade precisa de outro ser humano que a ajude a enfrentar melhor seu sofrimento e lidar com suas necessidades?

De onde vem, no que acredita, do que gosta, qual sua estruturação familiar, em que fase do ciclo vital se encontra, o que espera da vida, o que conquistou ao longo dos anos, que sonhos possui. Quais são as suas dores e quais são as suas alegrias. Esses são apenas alguns dos aspectos que compõem alguém, um indivíduo que é único, singular, subjetivo.

A vida frenética que levamos, muitas vezes faz com entremos num estado automático de ações que sequer nos damos conta de nossas palavras e atitudes. Agimos mecanicamente muitas vezes no trabalho, em casa, nas horas de lazer, em nossas relações.

Cuidar para que esses automatismos não nos tomem conta é tarefa árdua no dia a dia de exigências às quais somos submetidos. Tomar consciência dos nossos atos e atitudes, pensamentos e emoções, cuidar com pré-julgamentos e conceitos arraigados é dever de todos, pois assim evitaremos interferências que podem ser prejudiciais às relações de cuidados que estabelecemos.

Vivemos um tempo onde somos chamados ao cuidado o tempo todo. Cuidado individual e cuidado coletivo. E precisamos ter ciência que nossos atos afetam e são afetos por atos dos outros também.

Então que possamos agora olhar para nossas necessidades e pensar quais são as necessidades do outro. Como podemos contribuir para dias melhores para todos? Que cuidados estou tendo comigo e com outro? Como podemos estabelecer um cuidado mútuo num momento de tantas fragilidades?

E pensar que tudo que existe e vive, precisa ser cuidado para continuar existindo!

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