Sigo em frente com o que faz os meus olhos brilharem

“Acordei sentindo saudade de casa, mas é estranho sentir saudade de casa quando se está em casa. Então tomei consciência que sinto saudade da brisa do mar, do sotaque cantado, do céu estrelado, dos ventos fortes, da noite gostosa e dos versos de José de Alencar.

Eita meu Ceará!”



Leivânio Rodrigues

 

Sou paranaense, mas, neste momento, o Leivânio me representa.

 

Ao retornar ao trabalho após duas semanas de férias, o primeiro desafio seria me atualizar sobre os assuntos tratados durante este período de ausência. Como bom garimpeiro de ideias, dentre centenas de correios eletrônicos, um, em especial, chamou a minha atenção. Palavras de despedida de uma colega da empresa. Decidiu correr atrás dos sonhos, motivada, talvez, pelas reflexões que os últimos anos nos têm proporcionado. Disse ela em suas palavras introdutórias, que a sorte segue a coragem.

 

Há muito tempo ouvi dizer que os sonhos alimentam a vida e que as pessoas valem por aquilo que sonham. Acredito nisso! Não consigo imaginar como seria a vida se não pudéssemos sonhar antes de realizar.

 

No último mês deste ano, após uma série de contratempos, uma viagem programada há quase dois anos saiu do papel. Um sonho que foi adiado uma, duas vezes, mas, finalmente, foi concretizado. Poder realizar este sonho compensou todo o desgaste emocional causado pelas circunstancias que nos impediam de concretizá-lo.

 

Dia 4 de dezembro, antes de o sol nascer, saímos de nosso aconchego rumo ao estado do Ceará. Nos 12 dias seguintes, tivemos o privilégio de conhecer mais profundamente esta região do Brasil, seus costumes, histórias, geografia e culinária.

 

O roteiro da viagem já estava definido há meses, tudo cronometrado. Entre tantas visitas programadas e alguns passeios, nossa agenda estava repleta e o tempo seria escasso.

 

Assim que as portas do aeroporto de Fortaleza se abriram, quem nos deu calorosas boas-vindas foi o sol cearense do meio-dia. Nosso “detox” começou naquele instante.

 

Após saborearmos uma espetacular moqueca de arraia preparada pela Camila, nossa primeira anfitriã nesta viagem, passamos algumas horas com ela e outros amigos, matando a saudade e colocando a conversa em dia. Teríamos outros momentos com eles na semana seguinte. Primeiro, os compromissos familiares nos levariam ao centro-sul, no sertão do Ceará.

 

O segundo trecho da viagem foi feito à noite, de ônibus, pela viação Guanabara. Saímos às 20:30h de Fortaleza. Um dramin depois, dormi praticamente a viagem inteira. Desembarcamos às 4:30h, no município de Mangabeiras, de onde nos dirigimos de carona até o município de Lavras da Mangabeira, nosso endereço temporário pelos próximos quatro dias.

 

Fui conhecer uma parte de minha nova família, que até então só conhecia por chamadas de vídeo. De quebra, tive o privilégio de conhecer uma das belezas secretas daquela região e molhar os pés no Boqueirão do Rio Sagrado. Nas palavras de Joaryvar Macedo, “o Boqueirão permanece escondido e perdido no sertão cearense, o velho e lendário Boqueirão de Lavras da Mangabeira, maravilha rústica, mas soberba e eterna, que, por ignorada, a História não incluiu entre as principais do mundo”.

 

A formação remete aos cânions, bem conhecidos no sul do Brasil, porém, de menor proporção, o que não deixa a desejar em nada. Um prato cheio para os aventureiros de plantão.

 

Mas, a despeito das singularidades daquela região, me encantei mesmo com a simplicidade da vida que eles levam. Não vi riquezas materiais em canto algum por onde passei, mas reconheci outro tipo de riqueza muito superior, que não é tangível. Vivi o seu cotidiano, a hospitalidade e o acolhimento de uma forma que até então não havia experimentado. Também ouvi falar de fé e devoção e, em diversos momentos, chorei com demonstrações de afeto de pessoas que não faziam parte do meu círculo familiar até aquele momento. Dias incríveis, de muito riso e muita prosa! Uma verdadeira imersão cultural. Confirmei o que eu já sabia: é possível ser feliz e demonstrar contentamento e gratidão mesmo quando a vida revela a sua face mais dura. Recebi ensinamentos que não eram direcionados a mim, mas me apropriei deles e voltei para casa transbordando em todos os aspectos.

 

Na hora da despedida, antes de retornarmos à capital do Ceará, uma figura que já havia se tornado querida para mim, lançou um beijo no ar me fazendo chorar novamente. Continuei chorando durante alguns minutos enquanto nos afastávamos. Que baita experiência!

 

Com o coração agradecido e a mente cheia de ideias e expectativas sobre a próxima etapa da viagem, fiquei apenas observando a paisagem do dia que nascia pela janela do ônibus, seus nuances. Queria observar cada detalhe.

 

Mais de 600 quilômetros separam o sertão cearense do litoral. O clima é predominantemente tropical semiárido, considerado o mais quente do Brasil. E eu assino embaixo. Já estive no deserto mais árido do planeta, mas, posso afirmar, foi no Ceará que conheci o calor.

 

Passaram-se cerca de 4 horas, quando avistamos ao longe uma série de montanhas muito curiosas em ambos os lados da estrada. Realmente, uma visão fascinante. À medida que nos aproximávamos delas, a curiosidade aumentou. Onde estaríamos? Por sorte, minha companheira de viagem e guia turístico da rodada reconheceu as montanhas de Quixadá, também conhecida como a Terra da Galinha-choca ou Cidade Rainha do Sertão Central, cuja característica mais marcante está justamente em suas formações rochosas, os monólitos, que engrandecem a paisagem sertaneja. Fizemos alguns registros fotográficos e já temos planos de voltar, para explorar as montanhas daquela região.

 

Chegamos novamente em Fortaleza no fim do dia com o propósito de desfrutar mais tempo de qualidade na companhia de nossos amigos.

 

Na manhã seguinte, fizemos uma rápida visita ao Mercado Central, um prédio de três andares com boxes especializados na venda de artesanatos e toda sorte de lembranças, e à belíssima Catedral Metropolitana de Fortaleza, construída com elementos neogóticos e românticos, que me remeteram às construções da cidade de Edimburgo, na Escócia. Lá, fizemos alguns registros fotográficos.

 

Após o almoço, entramos no Uber, onde nosso amigo Renan já nos esperava para uma aventura, uma figura excepcional que conheci há 3 anos e já tive o privilégio de hospedar em minha casa. Nos levou ao Portal Ecomangue, no bairro Sabiaguaba, um pequeno restaurante caseiro, que dispõe de mesas ao ar livre à beira do rio Cocó. Ali, conversamos por algumas horas e selamos o nosso reencontro com um refrescante e divertido banho no rio Cocó, tendo o manguezal como plano de fundo, com direito a um magnífico pôr-do-sol. Uma experiência ímpar!

 

À noite, nos reunimos mais uma vez. Renan, Camila e um novo amigo, Jean, que coincidentemente estará em Curitiba no mês de janeiro. Fomos conhecer um dos locais mais frequentados na Praia do Futuro, a barraca Ronco do Mar, que oferece luau com música ao vivo em um ambiente muito agradável, e práticos típicos da região. Foi um momento mágico.

 

Retornamos cedo para o hotel na Praia de Iracema, onde estivemos hospedados por três dias, pois no dia seguinte o roteiro seria intenso.

 

Sábado, por volta da hora do almoço, encontramos nossos amigos mais uma vez e nos dirigimos à praia do Cumbuco, local muito procurado pelos amantes do kitesurf. Antes, uma parada para o almoço no restaurante do Frances, ou Francy´s Bar, como queiram, com uma vista excepcional da praia do Pacheco, no município de Caucaia. Há relatos de que esta região está prestes a ser tragada pelo mar, devido ao aquecimento global. Ainda sobre a refeição, sem dúvida, uma das melhores que experimentamos nesta viagem. Experiência 5 estrelas em toda a sua simplicidade, sem deixar de mencionar a gentileza com que fomos tratados.

 

Chegamos à praia do Cumbuco e logo nos instalamos em uma de suas barracas, com música ao vivo e um DJ super entusiasmado. O mar estava tomado pelos praticantes do kite, com suas pipas colorindo o céu de leste a oeste. Experimentamos o dimdim, semelhante ao que chamamos de “geladinho” aqui no sul, porém, de maiores proporções e com um cardápio bastante variado, dezenas de sabores, inclusive, alcoólicos. Experimentei o de cajá, uma das frutas mais apreciadas por mim durante a viagem. Um dimdim custa R$ 10,00, vale mencionar. Rs

 

A seriguela é outra fruta que não posso deixar de mencionar, pois eu só conhecia de ouvir falar. Sua produção ocorre entre dezembro e março, de modo que pude refestelar-me.

 

Nos despedimos da praia do Cumbuco e, vinte minutos adiante, nos encontramos na lagoa das águas cristalinas, que dispõe de diversas atividades nas dunas como toboágua, tirolesa e skibunda, além de restaurantes e passeios de buggy. Me pareceu que o local ainda não é muito conhecido, o que nos garantiu um passeio privativo.

 

Depois de uma caminhada pelas areias brancas das dunas, cerca de dez minutos, chegamos à lagoa, onde pudemos tomar um gostoso banho, pouco antes do sol se por.

 

Nas cabanas cuidadosamente instaladas à margem da lagoa, são servidas as refeições dos restaurantes. Pedimos o famoso feijão verde cremoso e uma porção de macaxeira. Que comida deliciosa. Posso afirmar que o feijão verde já é o meu novo prato favorito no nordeste. Até então, era a moqueca de arraia.

 

No trajeto de volta para o hotel, com os olhos brilhando e deslumbrados com tantas paisagens e belezas naturais, depois de um dia fantástico na companhia de nossos amigos, começou a bater a tristeza, pois seriam nossos últimos momentos juntos antes de retornarmos à Curitiba. Como se não quiséssemos nos separar, fizemos ainda uma última parada no Marco Zero – Café e Culinária Cearense, na Vila do Mar, Barra do Ceará. Um espaço de convivência ao ar livre muito organizado e aconchegante, onde conheci a bruaca, um prato característico da região Nordeste do Brasil, feito com farinha de trigo, leite, açúcar, fermento e o toque do chef, obviamente. Tivemos a oportunidade de conversar com a proprietária, uma simpatia de pessoa, cheia de ideias, planos e sonhos com este novo empreendimento. Uma ótima dica, para quem vai a Fortaleza.

 

Bem, chegou a hora de nos despedirmos de nossos amigos. Gratidão é uma palavra pequena diante de tantos gestos de carinho e cuidados que recebemos. É muito bom saber que a distância não afasta quando a amizade é verdadeira. Só nos resta esperar para retribuir toda essa hospitalidade à Camila, Renan, Bruno e Jean. Nos veremos em breve, se depender de nós!

Pôr do Sol nas dunas de Jericoacoara (Foto: Acervo Pessoal / Cris Pereira)

 

Mas, nossa aventura ainda não havia terminado. No domingo seguinte, pela manhã, seguimos rumo à costa oeste do Ceará. Pela janela do ônibus, só o que conseguíamos ver eram coqueiros, mangueiras, cajueiros e carnaúbas, a árvore-símbolo do Ceará, contracenando com o céu azul, até chegarmos à pequena vila de Jijoca de Jericoacoara. De lá, embarcamos em um pau-de-arara, com outras sete pessoas, rumo a uma das 10 praias mais bonitas do globo, Jericoacoara, com seus lagos de águas cristalinas de cor verde-esmeralda, lagoas, dunas e manguezais, paisagens de cartão-postal.

 

Chacoalha de cá, chacoalha de lá, o deslocamento até Jeri pelas dunas do parque estadual foi pura emoção. Desembarcamos na pousada, uma ambiente simples e acolhedor, onde permanecemos hospedados por três dias. Após organizarmos as roupas no quarto, um pouco antes do sol se pôr, nos dirigimos a pé, cerca de 2 quilômetros, até a Pedra Furada, na praia da Malhada, um dos cartões postais de Jericoacoara. O acesso se dá pelo Morro do Serrote. Andamos por cerca de 40 minutos no sol escaldante para ver de perto mais uma obra-prima da natureza. Soprava um vento quente vindo do mar que trazia consigo a areia das dunas, o que nos causou certo desconforto visual.

 

Conseguimos fazer fotos lindíssimas da pedra enquanto o sol baixava, além de observar o cenário do entorno. Inspirador. Valeu a caminhada.

 

Devido à forte erosão e risco de deslizamento, optamos por não retornar pela crista do Morro do Serrote. Um pouco adiante da Pedra Furada, seguindo pela praia da malhada, um paredão de areia de aproximadamente 60 metros nos pareceu mais seguro e decidimos escalá-lo até a estrada que nos levaria de volta à pousada. De longe, parecia uma subida tranquila, afinal, somos montanhistas. De perto, sentimos alguma dificuldade e forte cansaço nas pernas, mas conseguimos chegar ao topo e voltar à estrada, depois de algumas pausas e reflexões. Rs

 

Retornamos à pousada para um banho e logo nos dirigimos ao centro da cidade para comer algo antes de descansar. O centro de Jeri é uma experiência à parte, com seus restaurantes e barzinhos oferecendo pratos típicos da gastronomia cearense, entre outras opções e uma programação que agrada a todo o tipo de viajante. Recomendamos o restaurante da Nega, na rua São Francisco. Comida de mãe, com pratos bem servidos e um preço acessível.

 

Dia 2 em Jeri: foi dia de conhecer o lado oeste da costa. Compartilhamos o passeio com a Jacque e o Ricardo, de sampa, em cima de um buggy. Divertidíssimo! Chegamos em Camocim e atravessamos de balsa até Guriu, onde fizemos um passeio de canoa pelos manguezais e conhecemos o habitat natural dos cavalos marinhos. De lá, partimos para o outro lado, o mangue seco, onde fizemos uma parada para fotografia nos balanços instalados pelos moradores locais, que embelezam ainda mais a região. De lá, seguimos para as Dunas de Tatajuba, onde encaramos uma tirolesa dentro do lago formado pelas chuvas. Foi a parte radical da trip. Com a adrenalina ainda correndo nas veias, nossa última parada foi na lagoa de Tatajuba, onde saboreamos uma suculenta tilápia que escolhemos no “cardápio vivo” do restaurante. Mas, a verdade é que o prato mais disputado foi o macarrão, oferecido exclusivamente aos guias das empresas de turismo. Graças à Jacque, comemos e ainda repetimos. Rs Mais uma vez pude confirmar que com diálogo e simpatia se abrem muitas portas.

 

Dia 3 em Jeri: foi a vez do lado leste. O Felipe e a Zuri, da Bahia, formaram a parceria conosco e tornaram o passeio ainda mais especial. A primeira parada foi na famosa árvore da preguiça, uma obra-prima da natureza, “esculpida” pelos fortes ventos que sopram naquela região costeira. De lá, seguimos rumo ao Buraco Azul do Caiçara, com suas águas azul-turquesa, resultado do sedimento de calcário acumulado em seu fundo. O local já conta com uma excelente infraestrutura e cobra o valor de R$ 15,00 por pessoa para acessá-lo. Vale a experiência. Mas, para nós, o passeio principal e o que mais nos deixou satisfeitos foi o da Lagoa do Paraíso, em Jijoca, onde pudemos fazer uma bela refeição com nossos novos amigos e ainda nos deleitar nas redes de balanço instaladas dentro da lagoa de águas cristalinas. Diferente do passeio na costa oeste, os ventos estavam mais amenos, o que nos proporcionou um dia muito agradável e aquele bronze desejado.

 

Assim foi o nosso último dia em Jeri. Naquela mesma noite retornamos à Fortaleza.

 

No dia seguinte, o dia em que retornamos para casa, ainda tivemos um feliz encontro com outro casal de amigos, a Jessica e o Arthur, recém-chegados de sua última aventura na Chapada dos Veadeiros. É muito bom ter amigos com afinidades. Eles também gostam de explorar a natureza e se desafiar. Foi um imenso prazer revê-los.

 

Já com as malas prontas, aguardando a hora de nos deslocarmos para o aeroporto, ainda conseguimos reencontrar outra amiga, a Ceiça, com quem dividimos uma água de coco e alguns abraços nas areias de Iracema. Esse foi o nosso último encontro.

 

Para uma viagem de apenas 12 dias, podemos dizer que nosso tempo foi muito bem aproveitado. Conseguimos cumprir nossa agenda e isso nos deu um baita sentimento de dever cumprido.

 

Gostaria de poder escrever sobre todos os sentimentos e percepções desta viagem, mas me faltaria tempo e papel… e talvez vocês não tivessem ao ler o mesmo entusiasmo com que escrevo. Assim, caso ainda não o tenham feito, prefiro que vocês mesmos criem suas próprias memórias em uma visita ao Ceará.

 

2021 foi um ano obscuro e desafiador. Gratidão aos que me acompanharam nessa jornada maravilhosa de autoconhecimento. Que as dificuldades do caminho nunca nos impeçam de sonhar.

 

Ainda temos muito a realizar, aprender e conquistar. Por isso, desistir nunca será uma opção.

 

Tendo dito isto, o último que sair de 2021, apague a luz!

 

Nos vemos em 2022! 😉

*Cris Pereira é graduada em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná e atua na área de regulação dos planos privados de saúde desde 2002. É praticante frequente de trekking de aventura há quase três décadas, além de amante de viagens, natureza e fotografia. Neste espaço, compartilha dicas, relatos e impressões de suas aventuras.

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