Saúde Mental: ainda um tabu no ambiente de trabalho

2020, do qual nos despedimos recentemente, foi considerado o ano da Saúde Mental, tendo como causa principal a pandemia. No entanto, os indicadores de doenças mentais, nos últimos anos, já nos apresentavam que a saúde mental do brasileiro não ia bem. Principalmente, a saúde mental no trabalho como veremos a seguir.

Entre 2012 e 2016, os transtornos mentais e comportamentais foram a 3ª causa de incapacidade para o trabalho (MPS 2017).

Em 2017, os transtornos mentais e comportamentais relacionados aos fatores psicossociais representavam cerca de 17,5 mil casos novos/ano; eram associados ao trabalho e representavam 2,4 milhões de dias de trabalho perdidos/ano (Previdência Total, 2017).

Em 2020, no mês de fevereiro, duas revistas de grande circulação trouxeram na capa temas relacionados à saúde mental no mundo corporativo. A revista EXAME com uma consistente reportagem sobre a Síndrome de Burnout e a VOCÊ S/A com o título “As piores empresas para se trabalhar” trouxe depoimentos reais de Assédio Moral e outros tipos de violência no mundo corporativo, com relatos de adoecimento mental como consequência destas vivências.

Foi um marco importante para nós profissionais, que pesquisamos e trabalhamos com saúde mental no trabalho. Pois, temas tratados como tabus, no mundo corporativo, ganhavam visibilidade.

Em março de 2020, precisamente uma semana antes de ser deflagrada a pandemia e o isolamento social, eu visitei a área de saúde corporativa de uma grande empresa de Curitiba para apresentar o meu programa de Saúde Mental e Trabalho. E a profissional, que me recebeu, me perguntou se era adequado falar em Saúde Mental no contexto do trabalho. Este é o tabu que me referi anteriormente!

A pandemia potencializou a fragilidade da saúde mental, e estamos pagando o preço por anos e anos de displicência à saúde mental, principalmente, no trabalho. Por outro lado, é interessante notar que quando as necessidades são vivenciadas coletivamente, geram identificações e solidariedade, autorizando-nos a falar abertamente sobre o tema. Isto é imprescindível para promover a saúde mental: falar!

A saúde mental no trabalho é o foco da Psicodinâmica do Trabalho (PdT), abordagem teórica e com metodologia de intervenção, que estuda as vivências de prazer e sofrimento no trabalho, desenvolvida pelo médico e psicanalista francês Christophe Dejours. 

Como acontece o adoecimento mental?

Segundo a PdT, basicamente, o sofrimento é uma reação do nosso psiquismo para não adoecer. Inconscientemente, utilizamos de estratégias defensivas individuais ou coletivas como: negação, racionalização, normopatia e outras. Estas alteram a nossa percepção da realidade como estratégia para não entrar em contato com o sofrimento, no entanto, quando elas se esgotam ocorre o sofrimento patogênico. O adoecimento mental é uma crise de identidade, que se manifesta como depressão, síndrome de burnout e num último nível o suicídio.

E como anda a saúde mental no trabalho por aqui?

Em novembro passado, realizei uma enquete no LinkedIn e compartilho, abaixo, a questão e os resultados.

Apesar da objetividade dos resultados, podemos levantar algumas hipóteses com base na Psicodinâmica do Trabalho:

1.    As vivências de sofrimento que prevalecem nos resultados, estão gerando algum adoecimento físico ou mental;

2.    O prazer no trabalho ocorre quando o profissional diante dos desafios do dia a dia, por meio do sofrimento criativo, consegue transformar sua realidade, mobilizando sua inteligência prática e sua personalidade. Para isto, ele necessita de autonomia, de flexibilidade para negociar, contando com a confiança, a cooperação, solidariedade e o reconhecimento dos colegas, dos líderes e clientes. Este reconhecimento que se refere, basicamente, à utilidade e à qualidade da atividade, é que dará sentido e prazer ao seu trabalho.

3.      A neutralidade equivale à estratégia defensiva denominada normopatia. Que se caracteriza por sua extrema ‘normalidade’, no sentido de conformismo, levando o profissional a não vivenciar sofrimentos e nem somatizações. Até que as estratégias defensivas não se esgotem…

Os resultados nos indicam que precisamos agir!

Brevemente, apresentei algumas informações de um tema tão complexo e importante. Para finalizar, quero destacar o convite da campanha Janeiro Branco, deste ano, que é para expandirmos os cuidados com a saúde mental para onde existir um ser humano. Mas, principalmente, no ambiente de trabalho!

Cuide-se e cuide de quem está próximo! E se for necessário, busque ajuda!



*Ana Silvia Alves Borgo é Psicóloga Organizacional e do Trabalho (CRP 08/03162), Mestra em Administração (UTFPR), Didata da SBDG-RS. Há 33 anos atua na área de gestão, desenvolvimento humano e organizacional, e de saúde mental no trabalho.

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