Os sinais do alcoolismo são diversos, mas, muitas vezes, “difíceis de enxergar”. O consumo de bebidas alcoólicas é disseminado entre os brasileiros. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig) mostra que 55% da população brasileira tem o hábito de consumir bebidas alcoólicas, sendo que 17,2% delas declararam aumento do consumo durante a pandemia de Covid-19, associado a quadros de ansiedade graves por conta do isolamento social. Mas quando pedir ajuda e quando efetivamente se torna uma doença crônica?
De acordo com o levantamento, uma em cada três pessoas no país consome álcool pelo menos uma vez na semana. O consumo abusivo de bebidas alcoólicas foi relatado por 18,8% dos brasileiros ouvidos na pesquisa. Os dados foram levantados com base na resposta de 1,9 mil pessoas, espalhadas pelas cinco regiões do país. O estudo mostra ainda que, em média, os brasileiros ingerem três doses de álcool por ocasião, o que representa 450 ml de vinho ou três latas de cerveja.
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Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é toda e qualquer substância não produzida pelo organismo e que, ao ser ingerida, modifica uma ou mais de suas funções. Essas drogas alteram aspectos físicos, emocionais e relacionados ao pensamento e ao comportamento.
De acordo com Rafael Maksud, psiquiatra da Clínica Ame.C, especialista em Saúde Pública, Dependência Química e Psiquiatria Ambulatorial e Integrativa pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e pelo Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), o álcool é um depressor do sistema nervoso central, uma droga psicoativa que altera a percepção da pessoa, pois bloqueia a transmissão de mensagens dos receptores nervosos para o cérebro. “Quando a pessoa bebe, se sente relaxada, já que sua percepção diminui. No entanto, o consumo regular reduz os níveis de serotonina no cérebro, um dos neurotransmissores responsáveis pela sensação de prazer e bem-estar. Sendo assim, o álcool agrava a ansiedade e, principalmente, a depressão”, afirma o psiquiatra.
Especialistas destacam a importância de identificar os sinais do alcoolismo. “O hábito de ‘beber socialmente’ coloca as pessoas em contato constante com o álcool, seja em ocasiões comemorativas e até eventos de trabalho. A grande armadilha é que o ‘beber socialmente’ pode evoluir para uma dependência”, diz Monica Machado, psicóloga pela USP, fundadora da Clínica Ame.C, pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.
Para o psicólogo Pablo Sauce, coordenador do programa dependência química da Holiste Psiquiatria, é preciso estar atento à frequência e à quantidade do consumo, mas também ao papel que a substância desempenha no cotidiano do indivíduo. “Por exemplo, se o familiar está bebendo em uma quantidade e frequência ligeiramente maior, mas já começou a faltar aos compromissos de rotina. Ou quando alguém começa a precisar beber de manhã cedo para encarar o trabalho, quando não para se levantar da cama”, explica.
Segundo os especialistas, alguns fatores que podem desencadear a dependência alcoólica são: associar o álcool à diversão; beber em qualquer situação, seja um evento familiar ou de trabalho; ter histórico familiar de abuso do álcool; ter contato precoce com a bebida; ter problemas de saúde mental não administrados.
O metabolismo do álcool pelo organismo é feito principalmente pelo fígado, que remove cerca de 98% da substância do corpo humano. O restante é eliminado por rins, pulmão e pele. E os sinais de embriaguez são bem conhecidos: euforia, alterações no comportamento, perda da timidez, emotividade exagerada e, em alguns casos, tendência à agressividade. “No entanto, em um quadro de alcoolismo, os sintomas e sinais são muito mais graves, e requerem atenção de amigos e familiares”, alerta Rafael Maksud.
Entre os sinais do alcoolismo que indicam a hora de buscar ajuda estão a vontade de beber o tempo todo. “A pessoa que já tem inclinação para o álcool vai usar todo tipo de argumento para beber. A bebida se torna a solução quando se está triste, frustrado ou desanimado. Da mesma forma, qualquer motivo de alegria vira pretexto para fazer um brinde”, pontua a psicóloga Monica Machado. E, com o aumento do consumo, a tendência é que a pessoa se torne mais resistente aos efeitos do álcool e tenha necessidade de beber cada vez mais.
A lista de sinais do alcoolismo incluem o comprometimento no raciocínio. Pelo fato de atuar no sistema nervoso, é comum o álcool afetar a capacidade cognitiva. “Entre as drogas psicoativas ou psicotrópicas, ele é classificado como um depressor. Ao longo do tempo, o abuso do álcool pode causar cansaço físico e dificuldade de raciocínio. Confusão mental e até alucinações podem ocorrer em casos mais graves”, explica Rafael Maksud.
O uso excessivo e prolongado do álcool pode irritar a mucosa estomacal, gerando gastrite. Essa confere muito desconforto, uma vez que causa ardência, queimação, dores de cabeça, entre outros sintomas. Consequências mais graves são: o aumento da pressão arterial, problemas no coração e pâncreas, hepatite e cirrose. Distúrbios do sistema nervoso, como desatenção e tremedeira, também podem fazer parte do quadro. Já o fígado é um dos principais órgãos afetados, uma vez que ele armazena o glicogênio (a nossa reserva de glicose, que oferece energia aos animais, inclusive o humano) e o libera aos poucos para a corrente sanguínea.
“Além disso, a falta de bebida alcoólica pode causar a síndrome de abstinência, quando a concentração de álcool no sangue diminui e costuma gerar irritabilidade, ansiedade, taquicardia e suor em excesso (sudorese). Em casos extremos, pode provocar convulsões e até levar a óbito”, aponta o psiquiatra da Ame.C.
O psicólogo Pablo Sauce destaca outros sinais do alcoolismo, como o abandono de interesses. O usuário, que anteriormente participava de diversas atividades, passa a negligenciar seus interesses e vínculos – laborais, acadêmicos ou até no lazer – e passar a orientar a vida em torno da relação com a bebida. Na fase mais profunda do vício, passa a não ter cuidados pessoais, deixando de tomar banho, comer e escovar os dentes, abandonando a si mesmo.
Ainda de acordo com ele, o alcoolista passa a mentir com frequência e suas mentiras se tornam cada vez maiores. Mente sobre onde estava e com quem estava, passa a usar as mentiras para justificar suas faltas ao trabalho e ausência de outros compromissos. Mente em busca de dinheiro para financiar o vício e se torna agressivo quando questionado.
Neste contexto, o convívio social e familiar é afetado. “As pessoas deixam de querer estar com a pessoa que bebe excessivamente por temerem passar por uma situação desagradável ou pelo cansaço proporcionado pela convivência”, completa Monica Machado.
Segundo Mônica, é imprescindível buscar ajuda especializada. “O apoio de amigos e familiares é fundamental para a recuperação do alcoolismo, mas não é todo mundo que consegue ter estrutura emocional para lidar com a situação. Alguns vínculos afetivos, inclusive, podem se romper ou ficarem abalados em face deste problema”, descreve.
A princípio, o psicólogo Pablo Sauce aponta que quando a família percebe mudanças de comportamento causadas pelo álcool no ente querido, já é um sinal de alerta. O especialista indica que ao perceber situações recorrentes, que deixam de ser episódios excepcionais, é preciso buscar o diálogo com firmeza e sensibilidade, como uma maneira de demonstrar a preocupação com o indivíduo.
Contudo, uma das maiores dificuldades para os familiares é manter o equilíbrio entre a preocupação, o controle e o acolhimento: “No atendimento às famílias é muito comum ouvir que o paciente está bebendo álcool doméstico diluído ou que quase agrediu alguém. Ou seja, é uma situação muito desgastante e a maior dificuldade é exatamente manter o controle ao intervir, porque pode oscilar entre o excesso, com privação da liberdade, até a falta absoluta de controle, chegando até mesmo a incentivar o uso. É importante que a família não caia no viés acusativo e tente manter atitudes firmes, mas sem perder o tom acolhedor”, detalha.
Sobre o tratamento do alcoolismo, o coordenador do programa dependência química da Holiste Psiquiatria ressalta que o acompanhamento médico é fundamental, sobretudo no início do tratamento e nos casos em que o abuso da substância levou à sinais de demência. “O viés clínico é essencial. Podemos agir para a reposição da vitamina B12 e, por outro lado, realizar a estimulação cognitiva do paciente, que ajuda muito. A promoção de mudanças de hábitos, incluindo algum tipo de atividade física, também é um fator que faz diferença para o tratamento”, esclarece.
O grupo de ajuda mútua é referência no apoio ao alcoólatra que quer parar de beber. Ninguém paga nada para participar de uma reunião e um dos grandes princípios é o sigilo. Presente no Brasil há 80 anos, o Alcoólicos Anônimos possui reuniões em quase todas as cidades do Brasil.
CAPS – AD
Os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas são unidades de saúde feitas para atender gratuitamente quem precisa tratar o alcoolismo. O acompanhamento é realizado através de médicos, psicólogos e terapeutas. Também há abertura para a participação da família.
Quando o alcoólatra mora em uma cidade que não tem o CAPS – AD, pode procurar um CAPS tradicional (que cuida da saúde mental) ou uma unidade básica de saúde de seu município para fazer o tratamento. Se houver necessidade de internação, é o próprio CAPS que faz a solicitação e encaminha o paciente para alguma das instituições associadas.
* Com informações das assessorias de imprensa
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