A prevenção contra infecções por influenza ganhou maior importância comparada aos anos anteriores devido ao período de pandemia pelo vírus SARS-CoV-2. Nesse contexto, a vacinação ganha uma relevância ainda maior como o melhor mecanismo de proteção contra a gripe. Os vírus influenza causam infecções sazonais de forma global, podendo levar a complicações e mortes em todas as faixas etárias1. A cada ano, cerca de 1 bilhão de casos de gripe são registrados no mundo. Destes, até 5 milhões resultam em condições mais severas, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), e requerem hospitalização. Além disso, 650 mil pessoas perdem a vida por doenças respiratórias associadas à gripe, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com a OMS, vacinas evitam até 3 milhões de mortes por ano no mundo2. A forma com maior custo-benefício para combater a gripe é por meio da vacinação. Porém, quando as taxas de adesão à vacinação não são alcançadas, surgem as consequências: altos custos sociais e complicações irreversíveis que podem levar ao óbito, por uma doença que pode ser prevenida por meio da imunização.
Anualmente, o Ministério da Saúde promove a campanha de vacinação contra a gripe no Brasil, tradicionalmente entre os meses de abril e julho. Dados do Programa Nacional de Imunização (PNI) apontam, contudo, que apenas 61% das crianças foram imunizadas contra a gripe em 2020, número inferior à meta nacional de 90% determinada pelo governo. Esse número vem caindo desde 20173.
O vírus influenza é um vírus RNA, da família Orthomyxoviridae, e classificado em três gêneros A, B e C, de acordo com diferenças antigênicas. As cepas A e B são as mais comuns em circulação. Já a C é menos frequente e em geral produz forma leve da doença, portanto, sem impacto relevante para a saúde pública. Os vírus influenza A são subdivididos segundo os antígenos da hemaglutinina (HA) e da neuraminidase (NA), sendo 18 subtipos HA e 11 subtipos NA. As proteínas HA e NA são altamente relacionadas à virulência dos vírus influenza e representam os principais alvos para a produção de vacinas. Em geral, o influenza A causa mais morbidade comparado ao influenza B a desenvolver a doença que o B, o qual é classificado em duas linhagens: Yamagata e Victória. A dinâmica da circulação do vírus influenza é uma preocupação do ponto de vista de saúde pública, pois periodicamente surgem cepas nova e potencialmente mais letais. As principais modificações genéticas dos vírus influenza ocorrem por meio de duas formas de mutações:
Shift – mudança maior com troca dos segmentos de genes na mutação, resultando em um novo subtipo. Esta mudança é a responsável pelas pandemias por influenza.
Drift – são mudança menores com uma mutação no gene, no mesmo subtipo, e esta mutação está relacionada às epidemias.
Influenza A x Animais
A influenza A também está disseminada em animais, como pássaros, cavalos, cães e suínos. Várias das cepas zoonóticas de influenza A (H7N9) e A (H5N1) também podem infectar humanos, porém, essas cepas não são, até o momento, endêmicas. A diversidade de espécies da influenza fornece ao vírus inúmeras oportunidades de rearranjo entre subtipos, e os reservatórios naturais da influenza A tornam a eliminação da doença impossível4.
Resumo histórico da Vigilância da influenza
A vigilância de forma global do vírus influenza foi instituída em 1947, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com a criação do Global Influenza Surveillance Network (GISN). Em 1996, em Hong Kong, na época já considerado um local de risco pela alta circulação de pessoas, ocorreu a emergência do vírus influenza A H5N1, reaparecendo na Tailândia em 2003 e sendo disseminado pelos países do sudeste asiático. Em 2011, o The GLOBR International STEM Network (GISN) foi denominado Global Influenza Surveillance and Response System (GISRS), criado para fortalecer o sistema de vigilância da influenza. 5 6
Vigilância da influenza no Brasil
A vigilância do vírus da Influenza no Brasil começou em 1990 e, em 1995, este monitoramento foi organizado de forma sistêmica nacional com a criação do Grupo de Observação da Gripe (GROG), o qual reuniu serviços de saúde públicos e privados, localizados nas regiões Sul e Sudeste do país, chancelados aos laboratórios de referência nacional. Em 1999, o Ministério da Saúde iniciou a realização de campanhas nacionais de vacinação contra à influenza, com o público-alvo direcionado para os indivíduos maiores de 65 anos. Em 2000, o GROG foi renomeado como Projeto VigiGripe, ocorrendo a implementação de unidades sentinelas de forma mais ampliada no país.
Em 2005, uma nova crise se estabelece com o surgimento de casos da gripe aviária, causada pelo vírus influenza A H5N1 e com o temor de tornar-se a próxima pandemia de influenza. Dessa forma, a OMS inicia uma intensa mobilização com intuito de incentivar os países membros a elaborar planos de preparação para a próxima pandemia de influenza. Esta movimentação trouxe como resultado positivo a implantação da Vigilância da Influenza no Brasil, definitivamente incorporada na agenda da saúde e da política do Brasil.
A esperada pandemia da gripe aviária, felizmente, não se concretizou, porém, quatro anos depois, em 2009, uma nova surpresa: o surgimento da Gripe suína, causada pelo vírus influenza A H1N1, de maneira significativa no México. Ainda em 2009, o Ministério da Saúde avançou na vigilância do vírus influenza e iniciou uma nova sistemática de notificação de caso graves de quadros respiratórios hospitalizados, passando a trabalhar com o conceito de “Síndrome Respiratória Aguda Grave” (SRAG). Em abril de 2009, o Centers for Diseases Prevention and Control (CDC) formalizou a identificação de casos de doença respiratória aguda causados por um novo vírus, o influenza A H1N1, inicialmente no México e nos Estados Unidos (EUA). Em apenas seis meses após a divulgação da pandemia pela influenza A H1N1, foram produzidas vacinas específicas utilizando plataforma semelhante às já utilizadas para a vacina da influenza sazonal.
Em agosto de 2010, a OMS decretou o fim da pandemia de 2009, apesar da influenza A H1N1 continuar circulando no mundo, em diferentes intensidades, tornando-se mais um vírus sazonal, com as cepas de influenza A H3N2 e Influenza B linhagens Yamagata e Victória.
Em 2010, o governo brasileiro organizou uma das maiores campanhas de vacinação contra influenza já realizada em todo o mundo, com a vacinação de mais de 80 milhões de doses da vacina contra influenza A H1N1, como estratégia de aplicação nos grupos-alvo mais atingidos pela doença. A pandemia de 2009 da influenza A H1N1 originou-se de combinações do vírus influenza A de origem animal (suíno e aviário) e humano. O risco de novas pandemias por vírus emergentes é concreto, por meio de novas recombinações. Além disso, persiste a preocupação da ressurgência do vírus H5N1 (gripe aviária), com possibilidade de tornar-se algo pandêmico.
Vacinas: há mais de 80 anos atuando como um mecanismo eficaz na prevenção de doenças
A vacinação representa o principal pilar para a prevenção de doenças. As vacinas contra a gripe foram descobertas por Jonas Salk e Thomas Francis, em 1938. Com base em vários estudos, estima-se que a eficácia da vacina inativada contra influenza atua na redução da morbidade e mortalidade em grupos de alto risco variando entre 50 a 70%7 na sua eficácia. Atualmente, as vacinas contra a gripe licenciadas são projetadas para produzir anticorpos contra a proteína viral HA. Esses anticorpos HA específicos da cepa ligam-se ao vírus para prevenir a infecção. Existem três classes de vacinas contra a gripe sazonal licenciadas de forma global atualmente:
· vacina inativada contra influenza, que pode ser trivalente ou quadrivalente. As trivalentes contêm os subtipos H1N1 e H3N2 da influenza A, junto com a linhagem dominante da influenza B para aquela estação. As quadrivalentes incluem os subtipos H1N1 e H3N2, junto com ambas as linhagens B da influenza;
· indisponível no Brasil, a vacina viva atenuada contra influenza (LAIV) contém as mesmas quatro cepas de influenza que as vacinas quadrivalentes, mas é administrada na forma de spray intranasal;
· vacina HA recombinante: indisponível no Brasil, é isenta de ovo e seu rápido processo de fabricação a torna muito útil em curto prazo, como em situações de pandemia.
Idealmente, espera-se que as novas vacinas contra influenza forneçam imunidade de longa duração e ampla proteção. Para tanto, são necessárias novas tecnologias e plataformas de produção de vacinas contra influenza. Diante da diversidade das cepas circulantes atuais da influenza A e B, exceto a cepa A H1N1, e da frequente taxa de mutações (Drifts e Shifts) é impossível prever o comportamento das epidemias futuras. A dinâmica da circulação e das mutações do vírus influenza é complexa, com risco de infecções de forma explosiva. A vigilância contínua da circulação do vírus influenza associada a altas taxas de adesão à vacina são as estratégias mais poderosas que dispomos e que precisamos fazer uso. Além disso, são necessárias novas pesquisas e investimentos em plataformas de produção rápida, segura e de alta imunogenicidade. Linhas de pesquisa inéditas, com novas abordagens para a produção de vacinas da influenza, estão em andamento e, cada vez mais, as vacinas contra a gripe do futuro produzirão proteção robusta, persistente e respostas imunes a múltiplos influenza. Os desafios para a área de vacinas são imensos, mas o esforço é necessário e recompensador para a saúde e o bem-estar das pessoas, prevenindo catástrofes como as pandemias de influenza anteriores e a atual causada pelo SARS- CoV-2. A vacinação sazonal contra a influenza deve fazer parte da boa prática médica, bem como o envolvimento do indivíduo com sua própria saúde e de sua família. Neste cenário de covid-19 não se pode negligenciar a necessidade de proteção contra o vírus influenza, principalmente ao público infantil, que no momento não é elegível à vacinação, entretanto, pode (e deve) se imunizar contra a gripe. Vacinar esta população é essencial para a proteção de toda a família e da comunidade, uma vez que protege os mais velhos e portadores de comorbidades. Ainda há a preocupação em relação a uma epidemia concomitante, pois apesar de ser conhecido, o vírus apresenta um histórico periódico de ressurgência de novas cepas e riscos de desencadear pandemias devastadoras.
Referências
1. Abbas, A. K.; Lichtman, A. H.; Pillai S. Imunologia Celular e Molecular – Abbas.; 2015.
2. https://www.who.int/health-topics/vaccines-and-immunization#tab=tab_1
3. https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2021/marco/16/informe-tecnico-influenza-2021.pdf
4 Bellei N. Atualização Em Vírus Respiratórios. ((SBIm) SB de I, ed.).; 2012.
5 Saúde M da. Plano Brasileiro de Preparação para o enfrentamento de uma Pandemia por Influenza. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_brasileiro_pandemia_influenza_IV.pdf. Published 2010.
6. Forleo-Neto E, Halker E, Santos VJ, Paiva TM, Toniolo-Neto J. Influenza . Rev da Soc Bras Med Trop . 2003;36:267-274.
7. Brydak LB, Woźniak Kosek A, Nitsch-Osuch A. Influenza vaccines and vaccinations in Poland – past, present and future. Med Sci Monit Int Med J Exp Clin Res. 2012;18(11):RA166-71. doi:10.12659/msm.883534
*Heloisa Ihle Garcia Giamberardino, pediatra, Coordenadora de Epidemiologia, Controle de Infecção e Serviço de Imunizações do Hospital Pequeno Príncipe (Curitiba-PR), Presidente da Regional Paraná da Sociedade Brasileira de Imunizações e membro do Departamento de Imunização da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
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