Lançada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) em parceria com o Ministério da Saúde, a campanha de prevenção à gravidez precoce, “Tudo tem seu tempo: adolescência primeiro, gravidez depois”, gerou polêmica por colocar o adiamento do início da vida sexual de adolescentes como a principal forma de se evitar a gravidez na adolescência. Em nota científica, a Sociedade Brasileira de Pediatria questionou o foco da campanha, enfatizando que o amplo acesso à educação e à informação, associado à disponibilidade de serviços de saúde qualificados, representam a única ferramenta comprovadamente eficaz para lidar com a questão.
Para a SBP, estratégias combinadas são mais efetivas que as isoladas. “A abstinência somente é saudável se for uma escolha genuína do adolescente e não uma imposição ou a única opção oferecida. É fundamental garantir espaço para a autonomia. Qualquer programa com o objetivo de reduzir a prevalência de gravidez precoce deve promover o acesso à orientação adequada. Nesse sentido, é importante considerar a educação, tanto no meio familiar quanto na escola, e sobretudo a assistência à saúde, com destaque para a figura do pediatra, que nos últimos anos tem sido paulatinamente retirado dos programas de Atenção Primária”, diz a presidente da sociedade científica, Luciana Rodrigues Silva, no documento.
O Ministério da Saúde, rapidamente, rebateu afirmações de que a campanha prega a abstinência sexual ou descarta métodos contraceptivos. “A proposta não recomenda, explicitamente, a abstinência sexual aos adolescentes, como vinha sendo polemizado. As duas pastas, que, em esforço conjunto, comandam a ação, afirmaram que se trata de uma campanha com o objetivo de reduzir os altos índices de gravidez precoce no país”, diz nota do Ministério, embora a ministra Damares Alves (MMFDH) tenha indicado que pretende introduzir, na campanha, ações para que o jovem não se sinta obrigado a fazer sexo por pressão social. “Nós vamos falar sobre retardar o início da relação sexual. Trazer todo o bojo de métodos preventivos que já existem e também o ‘reflita, pense duas vezes'”, disse a ministra.
A taxa mundial de gravidez adolescente é estimada em 46 nascimentos para cada 1 mil meninas de 15 a 19 anos. No Brasil, a taxa é de 68,4, segundo dados da ONU, o que mostra que a gravidez na adolescência precisa ser tratada como uma questão de saúde pública.
Desenvolvimento
Mas o início precoce da vida sexual pode trazer problemas além da gravidez indesejada: membro do departamento científico da Sociedade Brasileira de Pediatria, Beatriz Bermudez explica que a própria Organização Mundial de Saúde recomenda postergar o início da vida sexual para o final da adolescência ou mesmo vida adulta para permitir o seu desenvolvimento, concretização de seu projeto de vida com independência econômica e escolhas mais maduras, além de minimizar os riscos de saúde física e mental.
“A educação sexual é muito importante nessa fase de muitas transformações biológicas, psicológicas e sociais. Quanto mais orientações da família e escola, melhor. Assim como a preparação para vida adulta como valores e profissão, a vida sexual precisa de orientações e participação dos responsáveis pela educação da criança”, diz, citando que isso já acontece em muitos países desenvolvidos, como por exemplo a França, onde a sexarca (primeira relação sexual) ocorre próximo aos 18 anos. “Educação para sexualidade na escola é com metodologia que permite debate, participação dos educandos e profissionais de educação e saúde”, afirma.
Bermudez explica que a adolescência, período de 10 a 20 anos, é uma segunda janela de oportunidades para o desenvolvimento cerebral. “Ocorrem muitas transformações cerebrais, iniciando com o núcleo acumbens e hipotálamo, responsáveis pelo prazer e termina com o desenvolvimento do lobo pré-frontal, responsável pelo julgamento, aos 18 anos. Então esse descompasso entre prazer e julgamento explica a vulnerabilidade vivenciada na adolescência e salienta a importância da participação dos adultos nesta fase em todos os setores da sociedade”, diz. “Quando conseguirmos encarar esse desafio como pais, professores, gestores, cidadãos, governantes, teremos gerações mais preparadas em todos os âmbitos, livres de drogas, com melhor saúde física e mental”.
Ela cita que grande parte das adolescentes que engravidam não realizam acompanhamento pré-natal, o que inviabiliza o tratamento de agravos como hipertensão arterial, que põe em risco a vida da adolescente. “Há risco maior de traumatismos na criança e da mãe adolescente no momento do trabalho de parto e nascimento, sequela neurológica no recém-nascido, às vezes baixo peso”.
Ela também enumera riscos psicológicos com a falta de rede de apoio para todos: adolescentes e recém-nascido. “Muitos adolescentes evadem a escola com prejuízo enorme para eles, família e para o país. Perdem oportunidade de se preparar para um trabalho mais rentável. Sem chance de retornar, com pouca formação, é maior a chance de manter o ciclo da gravidez na adolescência nas próximas gerações”.
Para a pediatra, uma boa campanha de prevenção à gravidez na adolescência precisa melhorar o conhecimento, a disponibilidade e divulgação dos métodos contraceptivos por adolescentes, familiares, profissionais da saúde e educação. “Sempre lembrando que o único que protege contra infecções sexualmente transmissíveis é o preservativo masculino ou feminino”.
Esta é uma série de reportagens especiais. Confira as demais, abaixo:
Fatores que aumentam os riscos da gestação na adolescência