O mercado da saúde no país entrou em um movimento bastante intenso de modificações e aprimoramentos, em especial com a pandemia de Covid-19. As transformações, que já afetavam todo o segmento, se tornaram mais intensas. Os planos de saúde não ficaram à margem e “mergulharam” em inovação. Por isso, na seção Paradigma do Saúde Debate, o entrevistado da vez é Marcos Paulo Novais Silva, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Ele está na instituição desde 2014.
Silva destacou que a necessidade por procedimentos de saúde está latente, com mais acesso de usuários aos planos de saúde, assim como adesões. Nesta entrevista, o superintendente executivo da Abramge também fala sobre tecnologia na saúde e perspectivas para o setor.
Confira a entrevista completa:
Saúde Debate: Já é possível fazer uma análise sobre o ano de 2022 para a área, sob a perspectiva da Abramge?
Marcos Paulo Novais Silva – Com certeza. De uma forma geral, foi um ano diferente e atípico. Já viemos de um ano bastante difícil, que foi 2021, quando esperávamos acomodar muitos procedimentos que deixaram de ser feitos em 2020 por causa da pandemia. Diante disso, nossa expectativa era para que 2022 fosse um ano mais “comum”, mas não foi. E não foi em função da pandemia. Percebemos uma necessidade de procedimentos de saúde muito mais latente. Estamos tendo um consumo maior de consulta, exame e internação do que imaginávamos. Mas ainda não chegamos ao patamar pré-pandemia.
Estamos notando que empresas contratantes de plano de saúde e que empregam milhares de pessoas estão bastante preocupadas, inclusive com o nível de utilização bastante elevado. Há uma perspectiva de que 2023 volte a ser um ano comum. Temos que voltar para a nossa normalidade, ou seja, para os nossos padrões anteriores.
Sobre os custos: fala-se muito que uma das consequências da pandemia era a suspensão de procedimentos eletivos e o impacto futuro disso. Como esse cenário influencia o momento para os planos de saúde?
Percebemos que em 2022 aconteceu isso. No início do ano, ainda tínhamos alguns casos de Covid, com internamento ou algum tipo de procedimento de mais alta complexidade, mas não tanto agora. Neste momento, entre as possibilidades estão os efeitos colaterais da Covid-19. Isso faz com que as pessoas precisem de alguma outra atenção. Também vemos uma população mais carente de recursos de saúde. Até o número de consultas aumentou neste período, indicando, sim, um nível de utilização maior. Agora, para 2023, a expectativa é que a gente volte a ter uma curva semelhante ao que a gente tinha antes da pandemia. Não significa que o nível de utilização vai cair, mas sim de retorno a um padrão anterior.
Estamos acompanhando uma movimentação – que foi bastante evidente na pandemia – da atuação de healthtechs e outras empresas de tecnologia na área da saúde. A porta de entrada foi a telemedicina, mas agora essas empresas tentam oferecer diferentes tipos de acesso à saúde, que, inclusive, fogem um pouco da atuação dos planos de saúde. Um dos objetivos destas empresas é facilitar o acesso a consultas. Como a Abramge enxerga esse movimento do mercado?
Vejo muito esse movimento, seja ele embasado em tecnologia ou não. São muitas novidades, mas a inovação não necessariamente é um aplicativo de celular. A inovação pode ser um processo diferente. Fazer atenção primária em saúde é uma inovação até um certo ponto. Por quê? Porque ninguém fazia antes, mas ela não é um aplicativo, e sim um processo. Percebo toda a inovação, mais ainda uma inovação que venha para mudar bastante o modus operandi atual, como algo um pouco mais disruptivo. Chega no “calor do momento” e é bastante exaltada. Depois, verificamos que necessita ser aprimorada bastante ainda também. Toda essa inovação é disruptiva, vem crescendo muito e depois ela terá que passar por um processo de acomodação, até porque precisa começar a entregar resultados, e isso não é tão simples assim.
A telessaúde precisa ser aprimorada. Foi, sim, uma inovação importante e aumentou o acesso aos serviços. Mas agora é necessário continuar nesse movimento. Agora, já está no nosso dia a dia. Há muitas possibilidades de entregar resultados na telessaúde, assim como as startups, que chegaram entregando novos modelos. Mas e agora? Passamos por um período de surgimento de várias iniciativas, mas este é um momento de aprimorar processos.
A junção de empresas e grupos do mercado de saúde já era observada no chamado pré-pandemia, assim como a associação de diferentes integrantes dessa cadeia para ofertar diferentes produtos e serviços. Esse é um movimento consolidado no mercado dos planos e no segmento de saúde suplementar de maneira geral?
Este é um movimento natural, até porque precisamos de redes integradas. Na saúde, não podemos trabalhar com “ilhas” e ninguém conversar. Um exemplo disso: o prontuário do meu filho está dentro de uma gaveta num consultório médico, e nem mesmo a médica dele lê aquele prontuário. Convivo com isso, mas sei que precisa ser diferente, e gostaria muito que esses consultórios trabalhassem de forma organizada, integrada, com um prontuário eletrônico para que ele (o prontuário) ficasse na minha mão, e não do médico. Assim, poderia levá-lo para que as pessoas conhecessem o meu histórico.
Ainda espero chegar neste patamar, pois essas “ilhas” precisam conversar cada vez mais. Percebemos uma dificuldade muito grande de se integrar quando essas empresas estão totalmente separadas. Há facilidade maior de se integrar quando estão mais unidas. Vemos operadoras comprando hospitais, assim como hospitais comprando operadoras, ou seja, um movimento dos dois lados, que veio para ficar. Mas também acredito que é possível ter maior integração sem precisar de uma aquisição. É muito mais difícil, sim, mas é possível.
Quais são as perspectivas futuras para os planos de saúde, na avaliação da Abramge? Como considerar as características do mercado brasileiro, no qual há uma grande parcela de usuários entrando no sistema por meio de benefícios concedidos pelas empresas e desafios como a inflação médica e os custos?
Futuro muito positivo. E, para mostrar isso, usarei o exemplo da pandemia. Os planos de saúde são, no fundo, um esquema de financiamento, pois não seria possível arcar com os custos da minha própria assistência de saúde sozinho. A sociedade se uniu para isso, com previsibilidade de um pagamento mensal e ter cobertura para algo que é muito difícil prever. Uma internação em UTI para o tratamento de pacientes com Covid-19 custou R$ 600 mil. E quantas pessoas ficaram meses desta forma? Muitas.
Alguns estudiosos diziam que se tivéssemos um evento que afetasse muitas pessoas ao mesmo tempo, um evento de saúde, talvez os instrumentos do plano de saúde não iriam suportar. E o que mostramos? Ainda que os grandes pesquisadores e estudiosos entendessem que poderia ser um desafio muito grande, foi possível, sim. O setor se organiza, adia um pouco determinados procedimentos e prepara todo o sistema para acolher essas pessoas. E todo mundo foi atendido: ninguém ficou na porta de um hospital no sistema privado e ou internado no corredor. Foi possível dar assistência. Isso, para mim, mostrou algo muito positivo.
As pessoas se ampararam ainda mais nesse instrumento que chamamos de plano de saúde. Não é à toa que, no meio da pandemia, percebemos o crescimento no número de pessoas com plano de saúde. O volume de empregos cresceu bastante, o que gerou uma adesão muito grande de pessoas nos planos de saúde. Voltamos a um número de beneficiários de planos de saúde nos níveis pré-pandemia: 50 milhões de pessoas cobertas.
As pessoas percebem a importância de ter um plano de saúde como ferramenta de acesso. Por isso, acredito que esse movimento não vai parar, pois a população percebe a importância deste instrumento. Se tivermos um mercado de trabalho pujante para frente, provavelmente haverá crescimento na quantidade de pessoas com plano de saúde.
Também precisaremos de produtos para alcançar essa população que demanda e que tem uma demanda latente por saúde, por acesso ao sistema. Por isso, acredito que devemos reformular produtos, dentro dessa proposta.
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