Vamos falar do cuidador?

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Saúde Debate
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(Foto: Freepik)

A mudança no padrão de doenças e de invalidez vem mudando nos últimos anos, entre outros fatores, em função do processo de envelhecimento populacional. Essa situação determina o surgimento de doenças crônico-degenerativas, demandando assistência continuada e novas organizações das redes e serviços de saúde. Estima-se haver cerca de 46,8 milhões de pessoas com demência no mundo. O número praticamente dobrará a cada 20 anos, chegando a 74,7 milhões em 2030 e a 131,5 milhões em 2050 segundo dados fornecidos pelo Relatório de 2015 da Associação Internacional de Alzheimer (ADI).

Diante desse cenário, ganha relevância o papel do cuidador, fundamental na assistência domiciliar, responsável por acompanhar o idoso doente, prover sua subsistência, realizar ou auxiliar as atividades da vida diária e, ainda, cuidar de si mesmo, e muitas vezes dos outros membros da família, como filhos, cônjuge e netos.

O cuidador desempenha função essencial na vida dos portadores de doença neurodegenerativa. À medida que a doença progride, surge a demanda por cuidados especiais e há um envolvimento em praticamente todos os aspectos do cuidado, o que resulta na adição crescente de responsabilidades. Além das atividades instrumentais, como administrar finanças e medicamentos, ele aumenta suas responsabilidades em tarefas básicas, como cuidado pessoal, higiene, banho e alimentação.

O cuidador geralmente é escolhido dentro do círculo familiar e, muitas vezes, a tarefa é assumida de maneira inesperada, o que o conduz a uma sobrecarga emocional. Aproximadamente 80% dos cuidados com os pacientes com doenças neurodegenerativas são providos por familiares. Em sua maioria, os cuidadores são do sexo feminino, especialmente esposas ou filhas do paciente. O fato reflete um padrão cultural em que o papel de cuidador ainda é visto como função feminina. A idade média do cuidador varia entre 50 e 65 anos. Destes, 33% têm acima de 60 anos e dedicam, em média, 60 horas por semana às responsabilidades com o doente.

Existem aspectos negativos associados ao cuidado de um paciente dependente, problemas, dificuldades ou eventos adversos que afetam significativamente a vida dos responsáveis pelo paciente nos âmbitos físico, financeiro e emocional. Cuidadores de pacientes com demência têm maiores chances de apresentar sintomas psiquiátricos, mais problemas de saúde, maior frequência de conflitos familiares e problemas no trabalho, se comparados a pessoas da mesma idade que não exercem esse papel. Os sintomas físicos mais comuns são hipertensão arterial, desordens digestivas, doenças respiratórias e propensão a infecções, além de sintomas psicológicos como depressão, ansiedade e insônia. Eles se tornam duas a três vezes mais vulneráveis ao risco de desenvolver a depressão. Uma característica do paciente com demência é a necessidade de supervisão crescente, originando fatores de estresse para o cuidador que podem levar a conflitos familiares, problemas econômicos e a uma sensação de aprisionamento no papel de cuidador.

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O cuidador passa a sofrer também a influência dos aspectos comportamentais. Não há consenso na literatura sobre o conceito de distúrbios do comportamento na demência, no entanto, a International Psychogeriatric Association (IPA), em 1996, cunhou o termo sintomas psicológicos e comportamentais da demência, que inclui sintomas como alucinações, delírios, perambulação, agressividade, depressão e alterações noturnas.

Outro fator é o posicionamento da família diante da doença. Assim como a doença passa por vários estágios, a família passa por diferentes etapas. A princípio, a família não sabe o que está acontecendo diante das manifestações de déficit do paciente, gerando sentimentos de hostilidade e irritação. Do outro lado, o paciente pode perceber as próprias deficiências, correndo o risco de se deprimir. À medida que a doença vai evoluindo, ocorre a busca por um diagnóstico, porém, nem sempre os familiares o aceitam rapidamente, podendo negá-lo, na tentativa de recuperar a “pessoa de antes”. Após a aceitação do diagnóstico, pode haver uma sensação de catástrofe. As famílias reagirão de maneiras diferentes, dependendo das próprias características.

Podem ocorrer três posicionamentos indesejáveis entre os familiares: superproteção, evasão da realidade e expectativas exageradas com relação ao desempenho do paciente. Os parentes que negam a doença são geralmente os que mais sofrem; já os que assumem a função de cuidador tendem a monopolizar a função, colocando-se na posição de ser os únicos a fazer as coisas, e abdicam de qualquer atividade que represente alguma satisfação pessoal, acabando “heroicamente estressados”.

No que tange às variáveis do cuidador, um maior impacto está associado à sua saúde e seu grau de parentesco, sendo os cônjuges os mais impactados. Uma hipótese é que, devido à sua idade mais avançada, o cônjuge está mais suscetível a problemas de saúde. Cuidadores mulheres costumam sofrer um impacto maior, possivelmente por assumir com mais frequência tarefas desgastantes, como a higiene do paciente, além de gerenciar os afazeres domésticos.

Há situações nas quais a família não tem condições de cuidar do paciente e recorre à ajuda de uma pessoa, profissional ou não, que será remunerada para exercer o papel. Nesse contexto, entram em cena os cuidadores formais, sujeitos a passar por diversos conflitos com a família do paciente, podendo ser objeto de projeção de culpas e frustrações que não podem ser aceitas na família. É recomendável que o cuidador formal seja discreto, passe por uma reciclagem de conhecimentos e possa conversar sobre as ansiedades das quais é portador.

O objetivo da maioria das intervenções é mudar a forma como o cuidador interage com o paciente em casa. Melhores estratégias de gerenciamento de problemas influenciam no ajustamento emocional do cuidador, refletindo-se em uma melhor assistência. As intervenções podem ajudar a amenizar a angústia do cuidador, evitar a institucionalização do paciente e permitir que a família possa fazer planos. A avaliação dos cuidadores deveria fazer parte do tratamento da demência, uma vez que o suporte aos familiares e cuidadores é de extrema importância.

Benefícios do cuidado à família cuidadora

– diminuição do estresse e sobrecarga

– melhora na qualidade do cuidado oferecido

– aumento da adesão aos tratamentos

– melhor manejo dos sintomas

– maior aceitação da doença e das mudanças

– aumento de flexibilidade e adaptabilidade

– ambiente mais apropriado e prazeroso

– maior coesão familiar e melhor comunicação

– relacionamentos mais saudáveis e funcionais

Cuidadores que têm suporte social, ou seja, que se engajam em atividades na comunidade, participam de grupos de apoio e se adaptam-se melhor à função de cuidador, apresentam menor impacto, níveis mais baixos de depressão e maior de satisfação em comparação aos cuidadores que têm pouca disponibilidade de suporte social.

Na Unidade de Saúde Mental (USM) do Hospital Dona Helena, cuidamos de pessoal com alterações de comportamento secundário a demência. Muitas vezes, algum ajuste no tratamento pode ajudar nos cuidados domésticos a essas pessoas. Por isso, é de extrema importância atentar para essas situações e procurar por ajuda médica.

Mônia Bresolin (Foto: Divulgação)

* Mônia Bresolin é coordenadora da Unidade de Saúde Mental do Hospital Dona Helena, de Joinville (SC)

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