O profissional médico sempre teve um lugar de destaque na história justamente por cuidar do nosso bem maior, a saúde. Ao longo da evolução, a caracterização do médico foi mudando, se adaptando a nossa organização social. No início, com cunho mais místico, mas evoluindo gradativamente em paralelo a construção da ciência e se aproximando cada vez mais de um conceito científico tecnológico.
A formação dos médicos no Brasil está em transformação há alguns anos graças a atuação de educadores médicos organizados socialmente pela Associação Brasileira de Educação Médica, a ABEM, que atua fortemente junto aos órgãos públicos, Ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS), fomentando as políticas públicas que culminaram nas nossas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Acredito que a formação do médico seja feita cada vez mais buscando a sua autonomia enquanto cidadão consciente de sua responsabilidade social, desenvolvendo nesse futuro profissional a capacidade de aprender, fazer, ser e, finalmente, a capacidade de conviver. Isso por meio da utilização de metodologias ativas de aprendizado que desenvolvem as soft skills necessárias para um bom desempenho profissional e aumentam o hábito saudável e necessário da visão crítica-reflexiva da sua prática. Só assim teremos profissionais que buscam seu autoconhecimento para que possam cuidar do outro, conscientes de que a medicina é uma profissão de serviço e não de idolatria.
Para que essa boa formação aconteça precisamos de exemplos. A valorização de nossos docentes médicos, tanto materialmente, através de planos de cargos e salários decentes, como incentivando e fomentando a sua constante busca da excelência na docência. Programas de formação docente robustos são essenciais para uma boa formação de nossos médicos. O ensino médico precisa de qualidade, de tecnologia, de humanização. Estamos em constante amadurecimento deste trabalho e nos empenhamos em colocar tudo o que há de mais moderno na educação médica mundial, desde tecnologia de ponta até, sobretudo, o resgate do médico que cria vínculos e está consciente do que representa socialmente.
Empresas de educação médica precisam prezar justamente pela responsabilidade social e resgate dos vínculos. Com as Missões humanitárias da Inspirali, por exemplo, temos o objetivo de fazer com que os alunos se deparem com realidades duras e percebam que são capazes de modificá-las com pequenas atitudes, com pequenos gestos, com a atenção e a escuta ativa, que fazem toda a diferença para aqueles que são atendidos. Isso os empodera e resgata a vocação genuína do ser médico para cuidar dos outros em contraponto a visão da medicina como forma de ascensão social e egolatria. É também nas Missões que eles aprendem a valorizar ainda mais o nosso SUS.
A medicina no Brasil é considerada uma das melhores do mundo se levarmos em consideração o fato de sermos um país continental. A formação dos médicos no Brasil se destaca por formar, em grande parte, médicos voltados para o atendimento das principais necessidades sociais do nosso povo através da atenção primária, inclusive as urgências/emergências. Temos um sistema público de saúde exemplar em sua concepção. O nosso maior problema é a sua implantação devido ao nosso grau de desenvolvimento enquanto cidadãos. Ainda pensamos e agimos como se colonizados fossemos. O descaso nos coloca no ranking dos piores sistemas de saúde mundiais. Mas permaneço esperançoso e acredito que a regulação da formação dos profissionais médicos no nosso país chegará ao momento da priorização da qualidade em detrimento da quantidade, em prol da saúde do nosso povo. Estamos vivendo um momento de expansão de vagas com abertura de inúmeras escolas médicas ainda sob a lógica do quantitativo. Guardo comigo a certeza de que evoluiremos para o quanto-qualitativo.
Já no âmbito internacional, não devemos nada para a medicina praticada em outros países. Ao contrário, nossa medicina pode ser considerada muito mais inclusiva do que a realizada em outros países graças ao nosso Sistema Único de Saúde. Temos medicina de ponta que, cada vez mais, se torna acessível para a nossa população como um todo e não somente para um segmento dela, mais elitizado. Não acredito que exista um modelo a ser seguido, pois as diferenças socioeconômicas-culturais e históricas são gritantes, o que impede comparações plausíveis.
Nossa principal dificuldade aqui no Brasil é o descaso com a saúde, que impede que o financiamento do nosso SUS chegue para todos e reduz o investimento em inovação e incentivos à pesquisa. Um dos sinais desse direcionamento não correto dos recursos está na não existência de plano de carreira para profissionais de saúde dento da esfera pública como ocorre, por exemplo, com a carreira jurídica. Relembrando aqui a pandemia, onde ganhamos mais visibilidade, mas continuamos sendo tratados sem a valorização que merecemos. Vale ressaltar que a pandemia também trouxe à tona a questão da medicina enquanto ciência, com uma supervalorização de crenças em detrimento das evidências científicas, o que infelizmente é potencializada pela dualidade político partidária. A saúde, enquanto ciência, é e deverá ser sempre suprapartidária assim como a educação.
Avaliando a saúde mundial, de forma geral, penso que a maior dificuldade seja a acessibilidade. É difícil acreditar, mas ainda existem locais em nosso planeta onde a população não dispõe de profissionais de saúde, nem de sistema de saúde, inexiste políticas públicas. O que é inadmissível em pleno terceiro milênio. Isso nos leva a questionar em que grau evolutivo nos encontramos enquanto seres humanos.
Para termos uma população inteira com acesso à saúde só mesmo através da educação, que transforma as pessoas e as torna cidadãs. Somente através de pessoas conscientes poderíamos ter mudanças no nosso sistema político partidário colonialista. E aí teríamos a chance da redução no descaso com a saúde e o SUS poderia se concretizar qual tal ele foi concebido: com universalidade, equidade e integralidade. E, neste cenário, o SUS é a “matéria” sobre a qual todo o resto precisa ser idealizado e construído. Em relação a formação dos profissionais médicos, ela tem que ser com o SUS, pelo SUS e para o SUS.
Sempre tive o sonho de ser médico. Tive a honra de ter um pai médico que incutiu em mim, através do exemplo, a visão da medicina como uma dádiva divina, onde podemos servir aos nossos semelhantes e ganhar o nosso pão. Hoje me encontro no meu 37o ano de residência e cada dia aprendo mais. Tenho orgulho da minha jornada e sei que tive o privilégio de conviver com seres humanos belíssimos que me fazem crescer na minha busca por autoconhecimento. O universo tem sido generoso comigo, e digo que faria tudo outra vez…
*Paulo André Jesuíno é médico Cirurgião Geral, Intensivista e Diretor da Regional Nordeste da Inspirali
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