Saúde Suplementar: desafios, mudanças e soluções futuras

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(Foto: vecstock/Freepik)

Ao término de 2023, o setor da Saúde Suplementar registrou um significativo aumento no contingente de beneficiários em suas duas categorias: 51 milhões de beneficiários em planos de assistência médica e 32 milhões por planos exclusivamente odontológicos.

Embora esses números representem uma conquista notável para o setor, marcando a primeira vez em que os planos de assistência médica atingem tal montante, uma análise mais aprofundada revela a persistência de desafios que têm afetado o setor nos anos anteriores e que continuam em 2024. Dentre esses desafios, destaco: as atualizações do rol de procedimentos e eventos em saúde, o aumento da taxa de sinistralidade, a crescente judicialização da saúde e a incorporação de novas tecnologias.

Hoje a atualização do rol é realizada de forma contínua a partir de uma solicitação de inclusão, e de publicações de incorporação pela Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias no Sistema Único de Saúde – Conitec. Ressalta-se que na solicitação de novos procedimentos que não tenha estudo finalizado no Conitec, a metodologia de avaliação da tecnologia em saúde e seus impactos deverão ser seguidas.

Acrescenta-se ainda a promulgação da Lei n° 14.454/22, em que o rol de procedimentos da ANS passa a ser uma referência básica. Na prática, essa medida amplia a cobertura dos planos de saúde em relação a exames, medicamentos e tratamentos, desde que atendam às condições estabelecidas pela lei relacionadas à justificativas que apresentem peso científico relevante.

Tais mudanças representam um desafio para as operadoras de saúde, uma vez que, diante do surgimento de novas tecnologias e medicamentos que atendam a pelo menos uma destas condicionantes – eficácia comprovada cientificamente, recomendações do Conitec ou recomendações de no mínimo um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional – poderá ser possível a inclusão de novas coberturas de forma coletiva ou até mesmo de forma pontual. No entanto, é necessário que os profissionais assistentes respaldem a indicação com diagnósticos baseados em evidências e com uma visão realista que priorize a qualidade de vida do paciente em todos os aspectos.

Essa modificação apresenta desafios consideráveis para as operadoras de saúde e sistema de saúde como um todo, tais como: alterações no cálculo atuarial, uma vez que envolvem custos não previstos anteriormente, aumento das mensalidades dos contratos coletivos e empresariais, incorporação acrítica de novas tecnologias que aumentam custo sem entregar “valor” ao paciente; crescimento das demandas judiciais, reclamações, entre outras questões.

Dentro os fatores apontados quero destacar a incorporação acrítica de novas tecnologias que é umas das causas da judicialização em saúde, podendo inclusive sua inclusão ser impulsionada por pressões judiciais. Tal fato é prejudicial tanto para o beneficiário (exemplificando, casos de incorporação de terapias com base em estudos de fase 2), quanto para a sustentabilidade do setor saúde.

Outra consequência desta incorporação de forma não controlada é o aumento exorbitante de custo de um determinado produto médico. A disparidade nos custos dos materiais empregados em procedimentos médicos é um elemento adicional que eleva muito os custos assistenciais.

Exemplificando os procedimentos de infiltração e bloqueio de coluna. Não são procedimentos novos, mas há um incremento de custo exponencial destes procedimentos que não acompanha o crescimento do resultado, da entrega de valor ao paciente. Para tais procedimentos utilizavam-se e ainda utilizam-se agulhas/ cânulas com custo que varia de R$300,00 até R$1.500,00. Hoje há um grande número de empresas nacionais e de diferentes países que comercializam “novas” cânulas/ agulhas com valores que podem chegar a R$20.000,00. Pergunta-se se há evidência científica de superioridade dos materiais comparados ao de menor custo ou se há ganho para o paciente. Há justificativa para um custo tão elevado? Um procedimento relativamente simples quando comparado com uma cirurgia cardíaca, por exemplo, mas que apresenta um custo mais elevado (considerando que em cada procedimento serão utilizadas duas unidades de material e grande recorrência de tais procedimentos).

Esse comparativo destaca a disparidade nos custos, indicando que o valor de procedimentos recorrentes pode ser muito maior do que o custo de procedimentos destinados a tratar doenças mais graves. Essa discrepância contribui para o cenário atual, agravando os desafios enfrentados no setor saúde.

Considerando o cenário exemplificado, algumas alternativas se apresentam como soluções que, se aplicadas gradualmente, podem ser efetivas no controle de desperdícios e na sustentabilidade da Saúde Suplementar no Brasil.

Uma sugestão é o “risco compartilhado”. Neste caso seria o compartilhamento com a indústria que desenvolveu a tecnologia. Qual valor está sendo entregue ao paciente que justifique o incremento de preço? Caso esse valor não seja alcançado, como dividir este custo?

Outra medida é uma aproximação entre todos os players de mercado (fornecedores, prescritores, prestadores e operadoras de saúde) para que possam entender a complexidade e os riscos do setor, de modo que consigam chegar em um denominador comum.

Ainda exemplificando as cânulas de coluna destaco um pequeno movimento que aconteceu no final do ano passado por alguns grandes hospitais no Brasil para não incorporação de “cânulas especiais” que apresentam custo tão elevado. Outro fator relevante é a grande variação de preços do mesmo material de acordo com o tipo de comprador.

Por fim, o cenário da saúde suplementar em 2024 apresenta desafios complexos, exigindo uma abordagem inovadora e colaborativa. A adaptação às mudanças regulatórias, a integração de tecnologias emergentes e a busca por uma relação mais equilibrada entre operadoras, profissionais de saúde, prestadores de serviços, fornecedores e beneficiários são cruciais para o sucesso do setor. O trabalho em conjunto, inovações de modelos de pagamento, a atenção centrada no paciente e não na doença, são alguns exemplos que poderão ser utilizados para enfrentar os desafios e moldar um futuro mais sustentável para a saúde suplementar no Brasil.

Por isso sempre digo aos meus colegas da saúde, trabalhar nesta área é sempre uma aventura desafiadora. Tem dias que realmente acreditamos que nada vai acontecer, mas temos muitos outros que acreditamos que podemos sempre evoluir e buscar o melhor para a saúde suplementar no Brasil.

*Andréa Bergamini é Diretora Técnica Comercial da AdviceHealth, mestre em Ciências da Saúde

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