Saúde mental começa pelo cuidado com o corpo

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(Foto: Freepik)

Eu sei que a moda é falar sobre saúde mental. Mas pense comigo: como você consegue se relacionar com o seu cérebro? Não de uma forma direta, mas com seu corpo isso é possível. Cuidar dele é essencial para ter uma mente resiliente.

Conheça o seu corpo

Vamos começar sobre como o nosso corpo foi projetado. Possui cerca de 650 músculos e 350 articulações, evoluído para ficarmos em pé e liberarmos nossas mãos, numa estrutura articulada de mais de 200 ossos. Temos um sistema circulatório de 96 km para irrigar energia e nutrientes e coletar os resíduos e toxinas, tudo isso coberto por uma pele elástica de 2 m² que o protege e troca calor com o ambiente, mantendo a sua temperatura estável a 36,5°C, uma temperatura que nos protege de bactérias e vírus.

Com certeza esse corpo não existe para ficar sentado oito horas diárias no trabalho e mais algumas horas na frente da TV. Foi criado para ficar de pé e andar na maior parte do tempo, sentando-se para descansar e ter alguns momentos de relaxamento. O nosso ambiente de trabalho não foi projetado considerando as nossas necessidades físicas, mas com a mentalidade de revolução industrial, pensando principalmente em custo/m2.

Então, quais as consequências de ficar sentado o dia todo, cinco dias por semana? Além de reforçar o hábito de permanecer sentado, impacta negativamente a circulação sanguínea e suas funções, incluindo um menor fornecimento de energia e nutrientes para o cérebro, que precisa de cerca de 25% da energia que consumimos. E se não usamos algum músculo, a mensagem recebida para o cérebro é que ele é menos importante, e, portanto, não precisa ser fortalecido. Faça isso como sua rotina de vida e, antes de envelhecer, já terá dificuldades de locomoção, algo essencial para o nosso bem-estar.

Qualquer movimento que você fizer já será uma evolução, pois o corpo responde rapidamente. Use um dos diversos aplicativos grátis e monitore seus passos diários. Dois mil é pouco, cinco mil começa a ser interessante e dez mil seria o ideal, mas no mundo atual é mais difícil. Se possível, além de movimentos aeróbicos, faça exercícios de resistência como, por exemplo, não perder a oportunidade de subir escadas.

Repare no efeito que sente quando faz algum exercício com regularidade. Dá prazer! A dopamina e outras substâncias geradas com os exercícios nos fazem bem; é o reforço positivo do nosso cérebro, informando que cuidar do corpo ajudará na saúde mental.

E se você está fazendo algum exercício, mesmo que mínimo, perceba a diferença entre carregar um corpo obeso e um corpo melhor equilibrado. Não é fácil carregar 20 kg a mais, o que reforça o comportamento sedentário.

O que nos atrai para comer e o que o nosso corpo precisa

E aqui entro na obesidade. Não vou falar de dietas, mesmo porque não sou médico nem nutricionista, mas vou chamar a atenção para duas coisas relevantes que aprendi e acredito que todos nós precisamos ter consciência: a diferença entre o que a nossa boca gosta e o que o corpo precisa, e a famosa glicose e seu impacto na curva glicêmica.

Somos seres sociais, e um dos principais momentos que temos em nossas vidas é quando estamos ao redor da mesa curtindo uma refeição. Nosso prazer de comer e beber

acontece através da nossa boca e nariz, gostamos de entender o que estamos comendo e perceber o doce, o salgado, o ácido, o amargo e suas misturas. Imagine saborear um vinho harmonizado com um prato gourmet de um chef famoso e uma sobremesa divina…

Além deste comportamento social, somos naturalmente atraídos para aquilo que nos fornece principalmente energia e proteína. A glicose (e suas diferentes combinações) e as gorduras são as nossas fontes de energia. Alguns tipos de vegetais, as carnes, os peixes, os ovos e os laticínios de origem animal são as fontes de proteína.

Aprendemos a gostar e sermos atraídos por essas fontes de nutrição. E usamos mecanismos que ajudam a dar sabor, como o sal e outras especiarias, para comer outras fontes menos atraentes como as fibras, presentes nos vegetais e verduras, que são essenciais para complementarmos os nutrientes que precisamos.

Isso porque nós, humanos, não somos nem carnívoros nem vegetarianos, somos onívoros. Precisamos de diferentes fontes de alimento para retirar todos os nutrientes de forma balanceada para nosso corpo se estruturar e funcionar. O cuidado que precisamos ter é que nossa atração pela boca não necessariamente ajuda as nossas necessidades do corpo. Aqui, tudo o que é demais e não balanceado é ruim.

Precisamos de glicose, pois é a base de energia celular

Para as nossas 30 trilhões de células, a glicose é a principal fonte de energia – consumida numa velocidade de 8 bilhões de bilhões por segundo (é isso mesmo!), transformada através de um pequeno órgão da célula (mitocôndria) que gera a energia na quantidade exata em que será consumida. Precisamos da glicose para viver, mas não adianta enviar mais glicose do que a célula precisa, já que vai acabar sobrando no nosso corpo.

A sobra de glicose cria radicais livres, que podem levar a certos tipos de câncer. Eles se ligam e degeneram outros órgãos do nosso corpo, como se fosse um pão torrado que não volta ao seu estado original. Estimulam doenças cardíacas, diabetes, declínio cognitivo, envelhecimento precoce de células e órgãos, interferem no nosso humor, atrapalham o nosso sono, prejudicam o nosso sistema imunológico, criam processos inflamatórios, artrite, catarata, e o Alzheimer, muitas vezes chamado de Diabetes tipo 3.

Quem cria a glicose e seus produtos são as plantas através da fotossíntese. A partir da glicose, as plantas criam outras estruturas como o amido, que serve de reserva de energia e é armazenado em raízes (exemplo: batata, beterraba, cenoura) e sementes (exemplo: arroz, aveia, milho, trigo, feijão). Criam também outros açúcares complexos e concentrados: a sacarose, uma combinação de glicoses; e a frutose, três vezes mais doce que a glicose original.

Este sabor doce é a estratégia das plantas para distribuir suas sementes nos campos com a ajuda dos animais. E nós, humanos, aprendemos a buscar produtos doces nas árvores, pois não há alimentos doces e simultaneamente venenosos.

O amido e esse conjunto de “oses” são os carboidratos, e nós, humanos, conseguimos quebrá-los em glicose novamente em nossa digestão por uma enzima da nossa saliva. As fibras, mais uma estrutura criada pelas plantas com base na glicose, são firmes e utilizadas em troncos, galhos, folhas, flores, raízes e frutas. E aqui uma informação relevante: nós não conseguimos quebrar a fibra novamente em glicose: o que entra, sai.

Precisamos entender o pico glicêmico e como lidar com ele

E por que saber de tudo isso? Por causa do pico glicêmico, ou encharque de glicose no nosso corpo. O corpo usa um hormônio, a insulina, para arrumar a casa retirando esse excesso e colocando-o na forma de gordura no fígado, nos músculos e em depósitos de lipídios pelo corpo. Quando este processo deixa de funcionar, temos a Diabetes tipo 2.

Esse pico glicêmico, ao digerir carboidratos, é alto pois sua absorção é muito rápida, é energia na veia. O mesmo não acontece quando digerimos proteínas e gorduras. Sua digestão é um processo lento, quebrando o alimento em estruturas menores, que também têm absorção mais lenta. E as fibras? Reduzem a ação de quebra dos açúcares em glicose, atrasam a circulação do alimento no trato intestinal e a sua absorção, e criam uma malha viscosa no intestino delgado que dificulta a entrada de glicose no sangue.

Se temos altos picos glicêmicos com os carboidratos, eles caem rapidamente por sua rápida absorção. Deixamos de ter a sensação de saciedade estimulando o nosso hormônio da fome (grelina). Mesmo estando cheio de glicose em circulação no sangue, temos a percepção de precisar comer mais. Com hábitos de comer mais que precisamos, a obesidade é a doença crônica que atinge mais de 50% das pessoas no mundo.

O ser humano moderno com um corpo estruturado há milhares de anos

Se ainda tivéssemos o estilo de vida para qual o nosso corpo foi projetado no passado, o que expliquei acima não seria importante, pois os alimentos naturais são balanceados. As frutas têm fibras, as proteínas eram menos disponíveis, nós precisávamos de reservas de energia e convivíamos com dois tipos de metabolismo: um quando tínhamos comida, e na sua falta, consumindo as reservas de gordura armazenada no nosso corpo.

Porém a vida moderna nos trouxe os alimentos processados e facilmente disponíveis com logística e confortos de serviços. Vivemos concentrados em cidades e nos distanciando dos alimentos naturais. Esses alimentos processados buscam caminhos para melhorar o sabor, facilitar sua produção e obter um alto prazo de validade. Adicionam amido, açúcares e sal para dar sabor e consistência, principalmente para a boca, e retiram as fibras dos alimentos que se degradariam mais rapidamente, especialmente no processo de resfriamento e logística. Ou seja, uma caixa de suco de frutas não é igual a cinco frutas.

Precisamos ter consciência do que fazemos com o nosso corpo e como damos energia e nutrientes para ele funcionar. Pensar somente em saúde mental sem cuidar da saúde física simplesmente não faz sentido. A Ciência do Bem-estar do Healthy Place mostra isso através de seus quatro pilares essenciais: Resiliência Mental, Saúde Física, Conexão e o Propósito.

Fica a dica

Com foco nos picos glicêmicos, aqui vão algumas sugestões do que procuro fazer (obesos unidos jamais serão vencidos):

● Dê sempre preferência aos produtos naturais. Se for comer produtos processados, leia o rótulo e saiba o que irá comer. Especialmente, veja a relação de fibras e carboidratos (nas frutas vermelhas, é na ordem de 1 para 5);

● A ordem dos alimentos durante uma refeição importa: primeiro as fibras, depois as proteínas e gorduras e, por último, os amidos e açúcares;

● Cuidado com o seu café da manhã: você está de jejum, preste atenção ao quanto de amido e açúcares está tomando, pode desregular as refeições do seu dia;

● Coma com consciência, mesmo quando comer errado. De vez em quando, ok, mas tudo o que é demais e gostoso se transforma numa rotina e vício;

● Depois de comer, ande, não fique parado. E antes de dormir, selecione com cuidado o que irá comer, de preferência, pequena quantidade de proteínas brancas.

Sedentarismo, obesidade e saúde mental estão relacionados. Quando nos exercitamos, nossos músculos ajudam a queimar a glicose. Um corpo sem obesidade tem, a princípio, maior facilidade para ter um sono de qualidade, essencial para a eliminação de toxinas do cérebro. Um corpo doente não oferece as condições adequadas para o nosso cérebro.

Não preste atenção apenas à sua mente, cuide do seu corpo também!

*André Lit é CEO do Healthy Place Brasil (https://www.healthyplacebrasil.com.br)

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