Remédios para concentração indicam futuro promissor, mas preocupante da saúde pública brasileira

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(Foto: Freepik)
No Brasil, o aumento da venda das drogas para concentração pode estar relacionado à melhora das investigações para diagnosticar os casos de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Há pouco tempo, o problema era relacionado em sua maioria a crianças com dificuldades escolares. Porém, atualmente, adultos que identificam a alterações persistentes de desatenção procuram por ajuda especializada e passam a utilizar medicamentos para controle dos sintomas e, consequentemente, obtém melhor qualidade de vida.
Na situação relacionada ao TDAH, o próprio diagnóstico de déficit de atenção traça um limite do que é aceitável socialmente ou não quando o assunto é atenção. No entanto, existem dois outros fenômenos importantes que acometem a sociedade contemporânea e podem explicar o aumento do uso dessas medicações. São situações que exigem uma análise cuidadosa, como: o cansaço constante da população e a imposição social de que todos devem ter o mesmo nível de produtividade.
Quanto ao primeiro fenômeno, atualmente vivemos em uma sociedade cheia de estímulos e sobrecarregada de demandas. Devido aos excessos, o uso de medicamentos que aumentam a sensação de concentração e a disposição são tidos como benéficos, pois dão a sensação de melhorar o desempenho e minimizam o sentimento de insuficiência.
Essa situação colabora e propicia a existência do segundo fenômeno, que é a imposição social de que todos devem ter o mesmo nível de produtividade. E, com a disposição de drogas para aumentar a concentração, a exigência de “entregas” – como se chama “resultados positivos” no mundo corporativo – se torna cada vez mais persistente.
De toda forma, a situação é preocupante, pois está relacionada à administração de remédios que causam dependência. E, em alguns casos, o seu uso é feito sem recomendação médica e por recriação. Por isso, o debate cuidadoso e analítico sobre esse assunto é essencial para driblar problemas evitáveis.
Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no comparativo dos primeiros semestres de 2023 e 2024, os números brutos de vendas da indústria (por unidade) dos medicamentos para concentração como o cloridrato de metilfenidato, passou de 2.515.781 para 4.520.313. O aumento chega perto dos 80% (79,66%). O efeito se repete com o remédio dimesilato de lisdexanfetamina. No mesmo período, a quantidade passou de 761.103 para 1.499.555, marcando um crescimento de 97%.
Os dois remédios para concentração são da classe anfetamínica e podem gerar a necessidade de uso constante. Entre os motivos desse desejo de consumo estão as sensações positivas advindas do aumento da produtividade e do bem-estar psicológico que elas proporcionam.
Além disso, as drogas citadas também são prescritas para a dependência química e a “depressão refratária” – quadro depressivo de difícil tratamento – e emagrecimento. Neste caso, a perda de peso é observada como um resultado “off-label”, um efeito diferente do que está descrito em bula.
Por isso, o aumento de venda de medicamentos para concentração sinaliza um padrão ambíguo. Ao mesmo tempo em que temos indivíduos com alterações na atenção mais adaptados com a sensação de serem produtivos, temos também a manutenção do que seria o nível ideal de concentração e, consequentemente, da imposição de um padrão de produtividade.
É importante destacar que o aumento da venda da indústria de medicamentos para atenção indica que mais pessoas com alterações na concentração estão em busca de alcançar o seu melhor potencial para conseguir ultrapassar suas limitações. Por outro lado, mostra também que, como sociedade, estamos exigindo mais entregas, que nem sempre são benéficas ao individuo, sejam elas relacionadas ao trabalho, ao estudo ou à estética.
*Maria Júlia Francischetto é psiquiatra do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), mestre em Ciências da Saúde pela Santa Casa de São Paulo e Membro do The Collaborating Center of Values-Based Center (St. Catherine’s College – Oxford) e do Comitê Regulatório do Álcool – CRA (Santa Casa de São Paulo)

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