Regulamentar a pós-graduação médica: um imperativo jurídico e de saúde pública

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(Foto: stockking/Freepik)
A regulamentação da pós-graduação médica no Brasil levanta importantes questões jurídicas, envolvendo o direito à Educação e o direito à Saúde. A ausência de um marco regulatório adequado e a falta de reconhecimento desses cursos como especialização médica não apenas compromete a formação de novos especialistas, mas também pode configurar uma violação do dever do Estado de garantir o acesso à saúde de qualidade, conforme previsto no artigo 196 da Constituição Federal.
Dados preliminares da “Demografia Médica no Brasil 2025”, estudo conduzido pela Associação Médica Brasileira (AMB) e Faculdade de Medicina da USP, revelam o boom no surgimento de novos cursos de pós-graduação nos últimos anos e reforçam a necessidade de uma regulamentação para adequar as regras à nova realidade, gerada pela crescente demanda por especialização e pela escassez de vagas em programas de residência.
A competência legal do Ministério da Educação para normatizar os cursos de pós-graduação, estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), entra em conflito com as normas do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estabelecem a residência médica como único caminho para formar especialistas. Esta situação evidencia uma antinomia jurídica que precisa ser resolvida para garantir segurança jurídica aos profissionais e instituições de ensino.
Atualmente, menos de um terço dos médicos recém-formados consegue ingressar em programas de residência. Dados da Demografia Médica de 2023 mostram que há apenas 1,58 médico especialista por grupo de 1.000 habitantes, o que ressalta a urgência de se abordar esta questão. Mais que garantir a qualidade da formação médica, é preciso também aumentar a disponibilidade de especialistas à população.
Diante desse cenário, a Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo) entende que os cursos de pós-graduação no Brasil surgem como um caminho para garantir a formação especializada de qualidade e para reduzir a defasagem de especialistas em todo país. A legislação brasileira já prevê requisitos mínimos para a qualidade desses cursos, como corpo docente titulado (mestres e doutores) e a aprovação pelos conselhos universitários. Tais requisitos estão presentes em centenas de cursos realizados por milhares de médicos em atuação no país. No entanto, a Abramepo defende que, para além desses requisitos mínimos já existentes, outros aspectos devem ser considerados na regulamentação, visando um controle ainda mais rigoroso e eficiente a partir da explosão de novos cursos.
O Ministério da Educação, em colaboração com entidades médicas, deve estabelecer critérios claros, como carga horária mínima e conteúdo programático adequado às especificidades de cada especialidade. Esta regulamentação deve observar o princípio da legalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, assegurando que as normas estabelecidas estejam em conformidade com o ordenamento jurídico vigente e respeitem a hierarquia das leis.
Mais ainda, é preciso implementar rigorosos mecanismos de fiscalização para que o Estado cumpra seu papel regulador e fiscalizador, conforme previsto no artigo 174 da Constituição Federal.  Essa regulamentação, amparada no ordenamento jurídico, é uma forma de garantir um padrão mínimo de excelência à formação continuada na medicina.
Acreditamos que a qualificação profissional deva ser valorizada e incentivada, e não marginalizada por normas ultrapassadas que preveem a residência médica como único caminho para formar especialistas. É fundamental que o MEC, em conjunto com o CFM e entidades representativas da classe médica, trabalhem para a construção de um modelo regulatório eficaz para a pós-graduação médica. Isso assegurará a qualidade da formação oferecida pelas pós-graduações e o reconhecimento adequado aos profissionais que buscam o aprimoramento de suas habilidades.
Negar a relevância da pós-graduação em medicina e ignorar a importância dessa modalidade para sanar a histórica falta de especialistas é fechar os olhos para uma realidade que afeta diretamente a saúde pública e contribui para as desumanas filas de espera por consultas e cirurgias.
A regulamentação da pós-graduação médica é uma questão de interesse público que demanda uma solução jurídica adequada. É imperativo que o legislador e os órgãos competentes atuem para preencher essa lacuna normativa, garantindo assim o pleno exercício do direito à educação continuada dos médicos e, por conseguinte, o direito à saúde da população brasileira.
*Eduardo Teixeira e Bruno Reis Figueiredo, presidente e advogado da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), respectivamente

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