Nunca foi tão real, o vício em internet, com um número crescente de pessoas, principalmente jovens, sofrendo com seus impactos negativos, quase um problema de saúde pública. A existência de tantas pessoas adoecidas, pelo uso inadequado de certas tecnologias, com destaque a internet, sua conectividade e as redes sociais, podem ser vistas como agentes condicionantes da manutenção do imediatismo vivido na atualidade, além do uso desmedido com grave dependência.
Foi divulgado pelo IBGE (PNDA Contínua TIC) que 161,6 milhões de pessoas entre dez anos ou mais idade acessaram à internet no Brasil. A pesquisa também revelou que 91,5% dos domicílios possuem acesso à internet, sendo o telefone móvel celular (98,9%) o mais comum.
É inegável a revolução causada pela internet, na forma como vivemos, aprendemos e nos relacionamos uns com os outros, com inúmeras mudanças comportamentais e hábitos. Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, descreve a sociedade contemporânea como ‘líquida’, caracterizada pelo desapego, provisoriedade e individualismo, o que contribui para o acelerado ritmo de vida e a busca constante por novidades.
Isso mostra que vivemos em tempos de muitos desafios, principalmente, para a nova geração, que tem na Internet uma “vitrine social”, cujos produtos (corpos perfeitos, vidas invejáveis, passeios maravilhosos, fotos incríveis, rapidez nos resultados, as expectativas comportamentais etc.) acarretam nocivas consequências à saúde mental.
Nesse sentido, há um fenômeno, cujas causas são atribuídas ao uso indiscriminado da internet, trata-se do Kikikomori, um transtorno mental conhecido pelo extremo isolamento social voluntário, cujas implicações são sentidas fisicamente e nas relações interpessoais, limitadas apenas aos familiares. Termo cunhado pelo pesquisador japonês Tamaki Saito, também conhecido como “adolescência prolongada”. Neste mundo hiperconectado, esses jovens não conseguem se desconectar, são pessoas solitárias que se afastam de todo convívio social, podendo ficar anos sem saírem de casa, apenas usando a tecnologia.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) o problema causado pela necessidade de se manter conectado ao celular, a nomofobia, atinge aproximadamente 39% dos jovens adultos no Brasil, com possibilidade de aumento, por conta da ampliação da presença dos celulares nos domicílios brasileiros, ou mesmo, da subnotificação do transtorno por desconhecimento, ou até mesmo, pela potencialidade em conectar pessoas. A perda do sinal do celular pode desencadear sintomas físicos e emocionais intensos, como ansiedade, irritabilidade e taquicardia, característicos da nomofobia, muito parecido com sintomas de abstinência.
É notório que os jovens já nasceram com enorme familiaridade tecnológica e seus avanços, já faz parte ativa de suas vidas, mesmo que isso lhes custem tais adoecimentos. Lembrando que o foco não é criticar estas disponibilidades tecnológicas, mas alertar para o uso desmedido com grave dependência. E foi justamente esta dependência que fez surgir um outro movimento, talvez com caráter de resistência, a “Joy Of Missing Out” (JOMO), “alegria em ficar fora de alguma coisa”, ou seja, se manter offline por vontade própria, com o intuito de desfrutar o momento, busca-se evitar manter o foco em outros, ou mesmo, no imediatismo e na urgência proveniente deste atual modelo capitalista.
O JOMO foca no aqui e agora, evitando se conectar com redes sociais, não se importando em perder as novidades postadas nessas redes, independentemente do local que estejam, um contraponto ao vício digital. Contudo, tal movimento não visa se colocar de forma alienada ou ausente de tudo, mas escolher conscientemente onde se deseja colocar a atenção e energia, valorizando a qualidade de vida e o bem-estar.
Os desafios são inúmeros, pois há um mar de atrativos disponíveis na internet para estes jovens. Apesar da familiaridade e domínio que possuem com as novas tecnologias, como seria possível fazê-los entender ou perceber o adoecimento que pode surgir?
Para tanto, é possível promover discussões sobre os impactos das redes sociais para a autoimagem e a para a saúde mental; conscientizá-los sobre o consumo de informações; desenvolver pensamentos críticos; prevenção do vício as redes sociais, conectividade a internet; informação sobre os riscos da internet; reflexão sobre os efeitos do imediatismo; desenvolver hábitos saudáveis do uso da internet; equilíbrio entre o mundo online e o mundo offline, entre outros.
*Marcelo dos Santos é psicólogo e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie no Centro de Ciência e Tecnologia (CCT Campinas)
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