Quando teu passado te condena, o que aprendemos com a Copa do Mundo!

Confira artigo de Elineia Denis Ávila

A Copa do Mundo acabou, mas ela deixou reflexões e ensinamentos para marcas de todos os setores. A rede social nos deixou a par de muitas coisas, entre elas que nossos colaboradores ou representantes poderiam estar na Rússia, no bar ou em casa sendo ofensivos com mulheres, negros e imigrantes.

 Se você acompanha o mundo dos influenciadores digitais* você acompanhou o caso do Youtuber Júlio Cocielo (*marketing de influência: profissionais que recebem para emprestar suas imagens em prol de uma marca, causa ou divulgação de produtos). Ele tem o 5º canal mais seguido do Youtube no Brasil, com um pouco mais de 16,8 milhões de seguidores, e em um dos jogos da França ele publicou em sua conta no Twitter que ‘Mbappè faria um belo arrastão na praia’. O comentário logo ganhou muitos holofotes e seu teor, interpretado pela maioria como racista fez com que ele perdesse patrocínio de grandes marcas como Itaú e Submarino. Cocielo se desculpou, disse que se referia a velocidade, mas já era tarde, os internautas já tinham acionado todos os patrocinadores do moço e cobrado justiça.

Ele teve em poucas horas suas redes investigadas e muitos outros comentários, feitos há anos, ácidos e racistas foram localizados. O youtuber decidiu então apagar tudo e publicar um pedido de desculpas. Fato que a vida segue e ele vai recomeçar com outras marcas, que possivelmente não vão ‘dar um Google’ e nem verificar o passado de quem contratam para influenciar pessoas, representar suas causas.

Hoje basicamente, podemos dizer que todas as pessoas são influenciadoras digitais em alguma escala. Se você tem um perfil ativo em rede social, você é sim um influenciador. Mas o volume de personalidades que vem assumindo essa profissão é alto e esse é um dos tipos de Marketing que mais da resultados atualmente.

Antes éramos influenciados pelos apresentadores, comerciais e atores de novela, agora a internet deixou tudo mais próximo. Sabemos detalhes da vida, dos hábitos, dos relacionamentos das pessoas em uma velocidade que antes era impossível. Qualquer comentário em segundos já atingiu milhares de pessoas e é como gritar em praça pública, depois de feito por mais que você apague os prints e os compartilhamentos já foram feitos.

Saindo do mundo dos influenciadores digitais, vamos olhar para um outro legado polêmico da Copa, agora envolvendo pessoas até então pouco conhecidas. Os rapazes brasileiros que gravaram um vídeo pedindo que uma moça repetisse frases obscenas, ela nitidamente não entendia o idioma dos rapazes, enquanto eles riam da situação e compartilhavam em suas redes. Outros casos de constrangimento a mulheres, disfarçados de ‘brincadeiras’ foram parar na rede, viraram assunto nacional e internacional. Mas tudo na internet é rápido e logo alguns destes homens foram identificados, um deles funcionário de uma das maiores cias áreas que atuam no Brasil, outro advogado, outro ex-secretário de Turismo de uma cidade em Pernambuco.

Então, de repente, a cia área se vê em meio a uma crise, criticada e cobrada pela postura de seu funcionário ela vem à público com a seguinte nota: “A LATAM Airlines Brasil repudia veementemente qualquer tipo de ofensa ou prática discriminatória e reforça que qualquer opinião que contrarie o respeito não reflete os valores e os princípios da empresa. A partir deste pressuposto, a companhia informa que tomou as medidas cabíveis, conforme seu código de ética e conduta”. Ao que consta a medida cabível foi a demissão. E muitos dirão, mas tudo isso por uma brincadeira? Pois é, o mundo mudou e falta de respeito ao próximo em nenhuma categoria é tolerada e as marcas precisam estar preparadas para isso.

E assim caminha a humanidade na velocidade da internet, todos os representantes de uma marca, sejam internos ou externos, precisam ter propósitos e valores bem definidos e ajustados. Será que o Itaú sabia do passado de Cocielo? Afinal, o slogan do banco é “feito para você!”, não importa seu tom de pele, o banco quer ser acessível, próximo e confiável. Uma pesquisa antes de contratar o influenciador teria evitado, uma conversa, uma avaliação de valores.

Você, gestor, já parou para pensar o que seus funcionários, diretores andam postando, fazendo, gravando ou falando por aí? Você colaborador tem valores parecidos com o da instituição em que trabalha? O departamento pessoal está preparado para verificar adequadamente as redes sociais de candidatos?

E se no lugar da Latam, estivesse a empresa que você trabalha? O que vocês fariam? Demitir é uma solução rápida, mas pode não resolver o problema!

Vamos aos exemplos mais simples, mas não menos inofensivos para imagem de uma marca. Médicos ou enfermeiros entrando e saindo de hospitais sem retirar seus jalecos, ou quem sabe fumando nas redondezas. Isso pode ser publicado, todo mundo tem uma câmera na mão hoje, e gerar uma pequena crise? Sim! Ou funcionários de um hospital debochando de pessoas com baixa escolaridade, que escrevem como puderam aprender, mas sem reconhecer a dita norma culta (caso aconteceu em 2016, em Campinas). O que o código de ética do seu estabelecimento prevê para esses casos?

Estamos na era da transparência, nos estudos de macrotendências mundiais, existe um capitulo só sobre transparência, que é ‘quando o engajamento entre pessoas e empresas se dá pela identificação de valores, a confiança passa a gerar desejo e pautar a gestão e a comunicação das corporações”. Na era da transparência o preço é secundário, relevante mesmo é o valor. Onde as marcas precisam ser verdadeiras, não dá mais para dizer que luta por um mundo mais saudável e não realizar na prática. Se você não tem uma história bonita para contar, não invente uma, seja verdadeiro, assuma suas falhas e construa uma marca confiável!

As pessoas querem entender o local onde trabalham, querem entender de onde vem o produto que consomem, saber porque e para quem sua marca existe. Elas querem descubrir seu um propósito. Mas propósito de marca só existe se for o propósito das pessoas que nela trabalham, definitivamente a missão grudada na parede com palavras bem elaboradas não basta. Ter um código de ética e não ter propósito, até ajuda, mas não basta. Parece bobo, mas cada dia mais as marcas precisarão de empatia, de atitude e principalmente de humanidade. Mais ainda quando se trabalha com saúde! O poder de melhorar o mundo está nas marcas, elas unem e reúnem pessoas.

E se você está meio confuso e pensando ‘e agora?’. Sim, sabemos que você não poderá acompanhar a vida dos seus mais de 300 funcionários, nem colocar um rastreador neles, mas você pode ajuda-los, conduzi-los por um caminho seguro e bem orientado. Você precisa construir com eles um diálogo e um propósito. Além de tudo isso, gente apaixonada e que vê verdade no seu local de trabalho, trabalha com espírito de dono. Claro, a discussão sobre transparência é muito mais abrangente e assunto para um outro texto.

Todos estamos constantemente aprendendo sobre racismo, machismo, xenofobia, homofobia, a evolução é constante e possivelmente já erramos em algum momento da nossa vida. Sendo assim, antes de contratar um funcionário, ou uma cara para sua campanha publicitária, ou de doação de sangue, você pode contar com algumas estratégias:

  • Em algum momento do passado erramos, certifique-se de como o erro foi tratado, pesquise o passado das pessoas e avalie o quanto isso pode ferir a reputação da sua marca;
  • Verifique se houve mudança de postura. É importante ter um olhar carinhoso e criterioso com a situação;
  • Antes de tudo, cuide da sua imagem como gestor, diretor, CEO, colaborador. Lembre-se que a vida muda e as atitudes de hoje podem ter consequências amanhã. Repense posicionamentos machistas, racistas e homofóbicos, ninguém constrói uma marca séria, sem antes se libertar dos seus preconceitos;
  • Tenha um código de ética claro, não um livreto que ninguém lê. Faça com que seus gestores e colaboradores entendam os objetivos da instituição e trabalhem por eles;
  • Tenha consciência e gere consciência dos danos que uma pessoa pode causar para uma marca, ajude-os na construção da ética, do respeito;
  • Invista em Comunicação Interna, em fortalecimento de marca, descubra o porquê da sua marca estar no mundo e se ela vem executando corretamente este papel. A comunicação interna é aquela se faz nas paredes, no dia a dia, no boca a boca, nos e-mails, no atendimento. A Comunicação acontece a todo momento, mas comunicação empática precisa ser incentivada, aprendida e para isso você pode criar espaços de discussões e até treinamentos de linguagem para suas equipes;

Segundo, Jascha Kaykas-Wolff, CMO BitTorrent, “A transparência total é a única maneira de compartilhar o progresso; usamos stand ups diários, brainstorms semanais e dias de ‘compartilhamento’ mensais para garantir que todos no time tenham a oportunidade de ter voz no que estamos fazendo e ver o impacto do seu e do trabalho da equipe.” —

Lembre-se que a maioria das pessoas foi criada para ser boa tecnicamente, mas poucos tiveram estímulos para ampliar sua inteligência emocional, ou suas habilidades sociais as empresas precisam começar a olhar para isso.

Quando falamos em Cocielo, ou no funcionário da cia área podemos ver que não são exemplos distantes, você nunca ouviu alguém da sua equipe manifestar uma opinião, ou em tom de brincadeira denegrir alguém, uma raça, um gênero? Ou um médico que trata mal um paciente, uma recepcionista grosseira, dificilmente vamos lembrar o nome dele ou dela, mas vamos lembrar e contar para todo mundo sobre como aquela marca nos tratou. O seu quadro de funcionários é a sua cara para o mundo, eles representam e mesmo que não sejam porta-vozes oficiais, falam pela sua marca.

Em tempos de internet essas ocorrências tornam-se mais comuns, mais rápidas e todo dia alguém esquece seu crachá e fala o que quer ‘doa a quem doer’, mas o mundo está mudando e ter mais consciência do que se fala e faz é necessário!

Marcas são formadas por pessoas, se a sua marca se dispõe a cuidar de pessoas, os primeiros a serem cuidados devem ser seus funcionários. Forme equipes que se autoajudem na missão de construir uma versão melhor delas mesmas, uma versão que vai sempre perguntar antes “isso é respeitoso?”, “eu gostaria de ver essa brincadeira se fosse comigo, ou alguém da minha família?”. Pessoas que respeitam o outro, se respeitam e respeitam a marca que representam esse é o círculo virtuoso.

Por Elineia Denis Ávila, consultora de Marketing, analista de Tendências, especialista em Tecnologias e Gestão de Marketing, diretora da Sinapse.Lab.