
Todos os anos, quando o Dia das Mães se aproxima, sou tomada por um misto de sentimentos. Como mãe, sinto a doçura das memórias da infância do meu filho, hoje um jovem cheio de vida. Como líder do Instituto Ronald McDonald, sou atravessada pelas histórias de milhares de outras mães que, em vez de flores e cafés da manhã na cama, vivem a rotina de hospitais, exames e incertezas ao lado de seus filhos com câncer.
Essas mulheres não pediram por essa missão. Muitas vezes, são arrastadas por ela de forma brusca, sem manual, sem aviso. Um dia, seus filhos brincavam no quintal ou corriam pela sala. No outro, estavam diante de um diagnóstico difícil. A partir desse momento, elas abrem mão de tudo: do emprego, da rotina, da própria saúde, da vida que tinham planejado para si mesmas. Para estar ali, firmes, enfrentando ao lado dos filhos uma das maiores batalhas que um ser humano pode viver.
No Instituto, vemos de perto essa entrega. Estimamos que mais de 74% das famílias atendidas em nossas unidades do Programa Casa Ronald McDonald vivam com até um salário-mínimo mensal. Muitas dessas mães chegam exaustas, vindas de regiões distantes, com medo e sem saber onde vão dormir ou como vão alimentar seus filhos durante o tratamento. Mas, ainda assim, carregam no olhar uma força que é quase sobrenatural.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer infantojuvenil é a principal causa de morte por doença entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos no Brasil. Todos os anos, cerca de 8 mil novos casos são registrados. Sabemos que quando o diagnóstico é precoce e o tratamento é adequado, as chances de cura ultrapassam 80%. Mas a realidade ainda é dura. Em muitas regiões do país, especialmente no Norte e no Nordeste, esse percentual cai drasticamente. Já acompanhamos casos de crianças que infelizmente vieram a óbito sem sequer receberem um diagnóstico.
Essa dor também atravessou minha vida de forma pessoal. Meu filho perdeu um amigo para o câncer, por conta de um diagnóstico tardio. Nenhuma mãe deveria passar por isso. Nenhuma mãe deveria enterrar um filho por falta de acesso à saúde. Desde aquele momento, mais do que nunca, redobrei meu compromisso pessoal e profissional com essa causa.
Cheguei ao Instituto Ronald McDonald em 2005, para trabalhar com comunicação. Não fazia ideia do impacto que essa escolha teria sobre a minha vida. Descobri ali o que era trabalhar com propósito. Me transformei profundamente. Como mulher, como profissional, como mãe. A Bianca de 2005 talvez não reconhecesse a de 2025. Hoje, aprendi a ouvir mais, a julgar menos. A entender que a maternidade, assim como a liderança, exige empatia, firmeza e uma dose generosa de flexibilidade.
Ao longo desses 26 anos de Instituto, já investimos mais de R$ 422 milhões em projetos voltados à oncologia pediátrica, apoiando mais de 2 mil iniciativas em todo o país. Impactamos mais de 15 milhões de vidas – e por trás de cada uma delas, há uma mãe que lutou com todas as forças para não deixar seu filho desistir.
Nos nossos espaços de acolhimento, vemos mães que reinventam o cuidado diariamente. Elas criam redes de apoio entre si, trocam conselhos, choram e riem juntas. Algumas chegaram com medo, outras já com cicatrizes. Todas carregam sonhos interrompidos, e uma coragem que não se aprende em livros.
Essas mães são também parte da minha inspiração como gestora. Meu maior objetivo à frente do Instituto é garantir que nenhuma família precise abandonar o tratamento por falta de condições. Que nenhuma criança morra sem ser diagnosticada. Que toda criança, em qualquer canto do país, tenha acesso a um tratamento digno, humanizado e de qualidade. E que suas mães, essas heroínas anônimas, não precisem renunciar a tudo para garantir a saúde de quem amam.
Trabalhamos para remover barreiras – geográficas, econômicas, emocionais – que ainda impedem que tantas famílias cheguem aonde deveriam estar: numa sala de tratamento, com seus filhos sendo assistidos por profissionais capacitados, com acolhimento e dignidade. Queremos que as mães que saem do Instituto voltem para suas casas com seus filhos não apenas curados, mas com esperança. Com perspectiva de futuro. Com mais força do que tinham quando chegaram.
O terceiro setor mudou muito ao longo dos anos. Saímos de um modelo baseado apenas na boa vontade e doação pontual para um novo paradigma, focado em impacto social, governança e resultados transformadores. Hoje, temos clareza de que cuidar da saúde é também cuidar das famílias como um todo. E, ao fazermos isso, estamos contribuindo para um país mais justo, mais preparado, mais solidário.
Neste Dia das Mães, o que eu desejo é que cada mulher que lê esse artigo se sinta abraçada. Que saiba que não está sozinha. Que existem outras mães, outras histórias, outras dores, e outras vitórias. Que cada sorriso devolvido a uma criança curada é resultado de uma corrente imensa de amor e trabalho sério. E que, enquanto houver desigualdade, enquanto houver uma mãe sem resposta, nós estaremos aqui. Lutando com elas. Por elas. Por todos.
Porque ser mãe é resistir. É transformar dor em coragem. E é, sobretudo, nunca desistir.
*Bianca Provedel é CEO do Instituto Ronald McDonald
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