IoT e IA já podem nos fazer envelhecer melhor

IoT e IA na saúde
(Foto: Freepik)

Recentemente, estive assistindo e escutando com meus filhos ‘When I am sixty-four’ (Quando eu tiver sessenta e quatro anos de idade) dos Beatles. Falo assistindo e escutando, pois, além de escutar essa que é uma das suas inúmeras canções consagradas, também somos fãs de uma série infantil chamada Beat Bugs, disponível no Netflix, onde cada episódio remete a uma canção da referida banda.

No episódio ‘When I am sixty-four’, os personagens, que são insetos infantis, se perguntam como seria ser como um velho? Daí, eles encontram uma máquina de viagem no tempo e um dos personagens vai para o futuro. Lá ele se percebe mais velho e imagina estar com sessenta e quatro anos de idade. Lembra dos amigos ainda jovem, mas percebe várias limitações no seu corpo. A solidão está presente na temática e seu único acessório é uma bengala. Fiquei refletindo como esse personagem, que é o mais ativo do grupo de insetos infantis, encara essas limitações no seu corpo. E o que se passava pela cabeça dos meus filhos sobre como eles envelhecerão?

Me pergunto também se alguma tecnologia em específico será a bala de prata para ajudar no envelhecimento humano. Isso é difícil de dizer pois o cenário é muito dinâmico. Terminamos 2022 discutindo Metaverso e iniciamos 2023 já com foco total em IA Generativa. No entanto, a Internet das Coisas (IoT – Internet of Things) combinada com a Inteligência Artificial estão aí há mais tempo, e já podemos observar alguma consolidação de ganhos no campo do envelhecimento humano. Por enquanto, eu apostaria nelas!

Felizmente, tenho visto boas perspectivas de melhorias. Como sou de TI, interagir com grupos de saúde e envelhecimento humano sempre me trouxeram muitos aprendizados. Aqui vamos focar no que a Internet das Coisas e a Inteligência Artificial estão contribuindo para isso, baseado nas nossas experiências com a plataforma intitulada: Sênior Saúde Móvel. O tópico é muito extenso e poderíamos trazer uma lista exaustiva sobre o papel que todas essas tecnologias disruptivas atuais trazem de contribuição para esse tema.

À primeira vista, sabemos que sensores podem nos ajudar a detectar quedas, infartos, chamar emergência, notificar familiares, automatizar tarefas, entre outras coisas. Sistemas de monitoramento de câmeras ou de sonorização também podem facilitar muito a vida em um lar com idosos e ajudar a detectar acidentes. Nosso foco aqui será na prevenção de síndromes geriátricas e na evolução da qualidade de vida do indivíduo durante o curso do seu envelhecimento.

Vamos tomar como exemplo o smartwatch. Esse dispositivo já está bastante popularizado hoje em dia. Quase todo indivíduo interessado no monitoramento da sua saúde e na melhoria do seu desempenho nas atividades físicas tem adquirido um. Tomamos esse dispositivo como uma referência nesse artigo, pois geralmente ele é construído orientado ao público fitness. Então nos perguntamos: o que mais ele pode fazer pelo envelhecimento humano?

Também não discutiremos a construção de um dispositivo próprio. Isso embute muitos desafios que, infelizmente, nem sempre são possíveis de serem ultrapassados por conta da desindustrialização do nosso país. Há alguns dispositivos comerciais disponíveis no mercado, com ampla aceitação, e que permitem acesso a dados de seus sensores. Exemplos imediatos de marcas que incentivam desenvolvedores são: Garmin, Polar e Fitbit. Geralmente esses dispositivos nos dão acesso a sensores tais como acelerômetro, giroscópio, GPS (global position system), PPG (photoplethysmography), entre outros.

Também é possível pegar acesso a dados de saúde já processados a partir desses sensores, gerando valores e séries sobre número de passos, qualidade de sono, tempo ativo, gasto de calorias, frequência cardíaca, entre outros. A acurácia desses sensores vem melhorando cada vez mais e novos e mais complexos sensores estão sendo inseridos. Hoje, novas versões possuem sensores que antes estavam disponíveis apenas em equipamentos específicos ou de UTI, como é o caso da oximetria.

Pois bem, a partir desses sensores e dos dados fornecidos podemos atacar problemas importantes no envelhecimento humano. Por exemplo, a síndrome da fragilidade é caracterizada por cinco critérios de acordo com a geriatra e epidemiologista Linda Fried: 1) Perda de peso não intencional; 2) Exaustão avaliada por autorrelato de fadiga; 3) Diminuição da força de preensão manual; 4) Baixo nível de atividade física; e 5) Diminuição da velocidade de caminhada.

Na plataforma Sênior Saúde Móvel, os três primeiros itens podem ser capturados por dispositivos (IoT ou não) como balanças e dinamômetros, e questionários. Para os dois últimos foram desenvolvidas aplicações específicas a partir dos sensores e dos dados do smartwatch. O baixo nível de atividade física pode ser identificado por algoritmos construídos a partir de valores de referência da literatura, tais como o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ – International Physical Activity Questionnaire). Esses algoritmos identificam a frequência cardíaca máxima do idoso, define a intensidade das atividades físicas identificadas e classifica períodos de tempo como sedentários até muito ativos.

Tudo isso a partir de dados coletados no smartwatch do idoso sobre frequência cardíaca, número de passos, atividades, distância percorrida, calorias, entre outros. Por fim, a velocidade da marcha consiste em um aplicativo embutido no smartwatch que consegue realizar estimativas da velocidade do paciente em janelas de tempo a partir de dados do acelerômetro. Diversos métodos lineares e não lineares podem ser experimentados, já que existem marcas que permitem o acesso aos dados dos sensores em tempo real.

Alguns esforços nesse tipo de abordagem estão presentes na maioria das funcionalidades que buscamos. Listo aqui alguns dos principais que me vem à mente: 1) Remoção de ruídos nos sinais do acelerômetro:  este dispositivo é sensível à força da gravidade, impactando nos valores do três eixos espaciais; 2) Limitação de recursos dos dispositivos: smartwatches ainda possuem pouca memória, baixa capacidade de leitura/escrita, limitações por consumo de bateria, entre outros, requisitando tomadas de decisões de projeto que se adequem a estes cenários; 3) Garantia de atributos de qualidade: as aplicações para esses produtos precisam ter uma boa usabilidade (mesmo que sejam apenas para cuidadores ou profissionais de saúde), garantir bom funcionamento quando o número de usuários escalar, latência de comunicação, etc.

Por fim, além dos benefícios para a saúde humana, bem-estar social e qualidade de vida, tais aplicações de Internet das Coisas tem a capacidade de gerar uma massa de dados valiosa. Temos conseguido entregar relatórios, produzir indicadores, apoiar políticas públicas, realizar estudos, publicar artigos científicos, gerar novos produtos, participar de editais, e outras iniciativas mais.  Esperamos que esses dados possam ser úteis de diversas outras formas ainda através da Inteligência Artificial e ajudem o país a se adaptar melhor aos problemas inerentes de um envelhecimento acelerado de sua população.

Finalmente, além de todos esses benefícios macro para a saúde populacional, vejo a Internet das Coisas combinada com a Inteligência Artificial como facilitadores decisivos que podem ajudar a nos sentirmos vivos por mais tempo. O engajamento que estas tecnologias provocam nos permitem observações óbvias e digitais, tais como interesse em cumprir metas, até observações não tão óbvias e analógicas, como analisar com amigos o seu relatório de saúde em uma mesa de dominó. Afinal, gostamos de nos sentirmos úteis, estarmos aptos a servir, atingir metas e bater recordes. A vida sempre nos proporcionará desafios, e superá-los (com ou sem a ajuda dessas tecnologias) será sempre um fator de motivação humano.

I could be handy, mending a fuse (Eu poderia ser útil, consertando um fusível)

When your lights have gone (Quando suas luzes acabassem)

IoT e IA na saúde

* Paulo Eduardo e Silva Barbosa (ou Paulo Barbosa) é coordenador do comitê de saúde da ABINC. É doutor em Computação, professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e coordenador de projetos no Núcleo de Tecnologias Estratégicas em Saúde (NUTES). Orienta e co-orienta trabalhos de mestrado e doutorado nas áreas de Internet das Coisas e Inteligência Artificial aplicadas à saúde. Também coordena e atua em projetos Internet das Coisas e Inteligência Artificial com clientes na área da área de saúde, financeiro e energia com escopos no Brasil e no exterior. É consultor da startup Sênior Saúde Móvel, com foco em telemonitoramento de idosos e construção de modelos preditivos para síndromes geriátricas e reabilitação.

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