Nos últimos dias, a nova série da Netflix ‘Vinagre de Maçã’ trouxe à tona um debate essencial sobre o impacto da desinformação na saúde. Baseada em uma história real, a produção retrata Belle Gibson, uma influenciadora que construiu uma fortuna alegando, falsamente, ter curado um câncer terminal apenas com métodos naturais. Durante anos, ela enganou milhões de seguidores, lançou um aplicativo de bem-estar e publicou um best-seller promovendo sua “cura alternativa” – tudo isso sem nunca ter sido diagnosticada com a doença. O caso expõe um problema alarmante: o perigo das informações falsas na saúde, que podem levar pacientes a escolhas erradas e, em alguns casos, fatais
Vivemos em uma era em que o acesso à informação é quase ilimitado, mas isso não significa que tudo o que circula seja verdadeiro. No caso do câncer, a disseminação de fake news pode atrasar diagnósticos, comprometer tratamentos e colocar vidas em risco. Muitos pacientes, movidos pela esperança ou pelo medo, acabam seguindo recomendações sem embasamento científico, confiando em promessas milagrosas que, no fim, só agravam sua condição. Isso não apenas prejudica a saúde física, mas também afeta o emocional, criando uma falsa sensação de segurança que pode ter consequências irreversíveis.
O impacto da desinformação não se restringe a casos isolados, ou de grandes farsas, como o de Belle Gibson. O câncer continua sendo uma das principais causas de morte no mundo, e o número de novos diagnósticos cresce de forma preocupante. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que, apenas em 2025, mais de 700 mil novos casos sejam registrados. Globalmente, dados recentes da Globocan indicam que, em 2022, aproximadamente 20 milhões de pessoas foram diagnosticadas com a doença e 9,7 milhões morreram em decorrência dela. Se essa tendência continuar, o número de novos casos poderá aumentar 77% até 2050. Com um cenário tão alarmante, o acesso à informação confiável e segura se torna ainda mais crucial, pois decisões erradas podem significar a diferença entre a vida e a morte.
Tudo isso se torna ainda mais preocupante quando a desinformação vem de fontes que, à primeira vista, parecem confiáveis. Influenciadores, celebridades e até alguns profissionais de saúde têm usado suas plataformas para divulgar conteúdos sem embasamento, reforçando mitos e promovendo tratamentos ineficazes. Muitas vezes, essas figuras públicas têm um grande alcance e influência sobre o público, tornando ainda mais difícil o combate às fake news. Quando alguém com milhões de seguidores compartilha informações erradas, o estrago pode ser irreversível, principalmente para aqueles que já estão vulneráveis e em busca de alternativas desesperadas.
É por isso que o acesso à informação segura é um direito fundamental, especialmente para pacientes oncológicos. Ter conteúdos confiáveis, elaborados por especialistas e baseados em evidências científicas, faz toda a diferença no processo de diagnóstico e tratamento. Quando bem informados, pacientes e familiares conseguem tomar decisões mais seguras, entender melhor seus direitos e lidar com o câncer de forma mais consciente e preparada. Informação de qualidade não é um luxo, mas uma necessidade real para que ninguém tenha sua saúde prejudicada por um boato da internet.
O problema das fake news na saúde é agravado pela velocidade com que se espalham. Enquanto estudos científicos passam por processos rigorosos de validação, uma mentira pode alcançar milhões de pessoas em poucas horas. Por isso que o combate à desinformação não deve ser responsabilidade apenas de médicos e especialistas. Cada um de nós tem um papel fundamental nesse processo, verificando a veracidade das informações antes de compartilhá-las e buscando sempre fontes confiáveis para se informar.
Se, por um lado, a internet amplifica a propagação de informações falsas, por outro, também nos oferece ferramentas para combatê-las. Hoje, existem organizações sérias e profissionais comprometidos em traduzir conteúdos científicos de forma acessível, garantindo que a população tenha acesso a informações seguras. Cabe a todos nós valorizar esses recursos e não cair na armadilha de acreditar em soluções simplistas para problemas complexos.
Na dúvida, o melhor caminho sempre será o da ciência. Conferir a origem da informação, buscar fontes confiáveis e seguir recomendações médicas são atitudes essenciais para garantir que ninguém tome decisões baseadas em mentiras e enganos. No fim, não se trata apenas de distinguir o que é verdadeiro ou falso, mas de valorizar e entender que informações seguras podem salvar vidas.
*Luciana Holtz é psicóloga, especialista em psico-oncologia e bioética, e fundadora do Instituto Oncoguia, ONG voltada para educação, apoio e defesa dos direitos de pacientes com câncer. Ativista na área, já coordenou iniciativas globais de conscientização, integra comitês internacionais e foi reconhecida como empreendedora social da Ashoka. Seu trabalho busca ampliar o acesso à informação confiável e garantir que o câncer seja tratado como prioridade no Brasil
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