A escassez de recursos na saúde pública brasileira é um problema crônico. Desde o início do Plano Real, em 1994, a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus incentivos foram reajustados, em média, em 93%. Enquanto isso, a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) foi de 637%. Esse descompasso provoca uma grande defasagem entre os custos hospitalares e os valores recebidos pelo sistema. E coloca hospitais à beira do abismo, clamando por solidariedade e movimentações coletivas que tragam esperança para a saúde pública, tão essencial para nossa população.
Como uma bússola que aponta onde estamos e – principalmente – para onde precisamos ir, os orçamentos de hospitais têm mostrado um futuro não muito animador. Os investimentos em saúde pública no Brasil caíram 64% e perderam R$ 10 bilhões entre 2013 e 2023, como revelou uma pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Os valores minguaram de R$ 16,8 bilhões, em 2013, para R$ 6,4 bilhões em 2023. O paradoxo dos repasses está nos gastos, que totalizaram R$ 872 bilhões só em 2021, segundo um levantamento do IBGE. Diante desses números tão contrastantes, fica o questionamento: o que queremos para o nosso sistema de saúde? Se a resposta for uma saúde igualitária que chegue para toda população, precisamos lutar para que esse orçamento aumente.
A realidade é clara: a saúde pública no Brasil está em uma encruzilhada. A tabela do SUS e seus incentivos têm sido reajustados de forma insuficiente, enquanto o custo das operações de hospitais cresce como um gráfico em constante ascensão. Isso compromete a qualidade dos cuidados médicos e coloca vidas em risco, exigindo medidas estratégicas para equilibrar as contas. Mais do que as palavras bonitas no papel, as boas práticas precisam fazer parte do dia a dia de quem está na linha de frente e vivenciadas pelos pacientes que chegam para receber atendimento. É momento de aperfeiçoar e fortalecer o maior sistema de saúde universal e gratuito do mundo, assim reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
É graças ao SUS que, todos os dias, pacientes adentram pelos corredores de hospitais para receber acolhimento, cuidado e conforto. Ali, em meio às salas de pronto-atendimento, unidades de terapia intensiva, enfermarias, macas e respiradores, eles encontram um lugar de esperança. Mas essa missão nobre está em xeque. O desafio está na gestão dos orçamentos e na tabela deficitária. Nesse cenário, a captação de recursos emerge como uma necessidade urgente. A mobilização representa uma fonte importante para garantir infraestrutura e tecnologia a uma máquina que roda com o desafio contínuo da oferta de serviços de alta complexidade. Mas, apesar dos múltiplos esforços, ainda temos um resultado pequeno perto de todo o potencial a ser alcançado.
O cenário pode até ser pessimista, mas ainda há uma luz no fim do túnel e ela resplandece na solidariedade. É essa chave mestra que vai abrir as portas para nos levar até uma saúde mais justa e resiliente, transformando a realidade dos hospitais filantrópicos. Parece simples, mas é quando vários indivíduos se unem em prol de uma causa maior que mudamos o desfecho de histórias. Cada gesto de generosidade, seja por meio de doações de dinheiro ou de tempo, é um ato de empatia e compromisso com o bem-estar coletivo. Não se trata apenas de doar, trata-se de estabelecer uma aliança com a saúde e a dignidade de todos os brasileiros. É uma questão de cidadania.
Nos últimos cem anos, assistimos a uma crescente preocupação em fortalecer sentimentos de solidariedade, caridade e amor ao próximo. Foram duas guerras mundiais, ameaças nucleares, epidemias, mudanças climáticas e, recentemente, a pandemia de covid-19 que não apenas deixaram marcas em livros de História, mas também colocaram a busca por recursos no topo das prioridades. Apesar dos pesares, são crises como essas que causam mudanças significativas na nossa vida e têm o poder de impulsionar a filantropia. Afinal, é nas piores tempestades que muitas pessoas se mostram abertas a olhar para o próximo.
Para fazer do mundo um lugar mais solidário, a sinceridade é uma importante aliada. Mostrar a realidade é o primeiro passo em qualquer conversa, ainda mais quando o assunto em questão for a filantropia. Não importa se a estratégia partir de campanhas, eventos beneficentes ou parcerias, no final das contas o que importa é ter o objetivo alcançado: sensibilizar os cidadãos sobre a importância das doações para a manutenção de um hospital. São muitas as abordagens, mas o despertar altruísta só vem depois de cada um entender como funcionam os bastidores do atendimento universal de uma instituição filantrópica e como existem pessoas que se dedicam para a construção desse ideal. Para isso, ter à disposição muita persistência pode ser decisivo para mostrar que quando cada um faz a sua parte, quem ganha somos todos nós.
Diante de um futuro imprevisível, podemos nos planejar e nos adaptar. Enfrentar desafios e ampliar o investimento filantrópico significa não apenas aumentar os recursos disponíveis, mas também impulsionar iniciativas de desenvolvimento em diversas áreas. Essa expansão é inadiável e crucial. A filantropia vai além da assistência direta, ela impulsiona mudanças estratégicas e concretas, sendo essencial para projetos que impactam positivamente toda a sociedade. Seres humanos, quando abraçam sua humanidade, iluminam o mundo com compaixão.
O chamado é urgente. Precisamos nos unir em prol da saúde pública. Cada contribuição, por menor que seja, é um passo em direção a um futuro em que todos tenham acesso a cuidados de saúde. É hora de agirmos, não apenas como indivíduos, mas como uma comunidade que preza pelo bem comum. Para além de um ato, a solidariedade deve ser encarada como uma força motriz que pode mudar o destino de milhões de pessoas. A saúde de todos está em nossas mãos e é nossa responsabilidade garantir que ninguém seja deixado para trás.
*Juliano Gasparetto é diretor-geral do Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba (PR)
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