Obesidade: um problema de saúde pública

    A obesidade se tornou um problema de saúde pública. Este é um problema que a maior parte do mundo e o Brasil está dentro desta realidade. Estar acima do peso acarreta uma série de complicações para a saúde, algumas delas bastante sérias. Alguns quilos a mais podem chamar a atenção e despertar um alerta, mas não é apenas isto. Não importa a idade: a obesidade precisa ser observada e encarada. Alguns levantamentos apontam que mais da metade da população está acima do peso, e que um quinto já atingiu o nível de obesidade.

    A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões, obesos. O número de crianças com sobrepeso e obesidade no mundo poderá chegar a 75 milhões, caso nada seja feito.

    Os últimos dados oficialmente obtidos são do Ministério da Saúde, por meio da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). O excesso de peso é diagnosticado quando o IMC (Índice de Massa Corporal) alcança valor igual ou superior a 25 kg/m2, enquanto a obesidade é diagnosticada com valor de IMC igual ou superior a 30 kg/m2. Esses critérios são os utilizados pelo Vigitel para analisar as informações sobre peso e altura fornecidas pelos entrevistados durante as ligações.

    Nos Estados Unidos, o número de obesos chega a 32%, e não para de aumentar. O Brasil está indo no mesmo caminho. Em 2006, havia de 11% da população brasileira adulta obesa. Hoje, a porcentagem é de 20%, um aumento de 64%. Os dados também revelam que o crescimento da obesidade foi maior entre os adultos de 25 a 34 anos e 35 a 44 anos, com 84,2% e 81,1%, respectivamente. Apesar de o excesso de peso ser mais comum entre os homens, em 2018, as mulheres apresentaram obesidade ligeiramente maior, 20,7%, enquanto os homens somaram 18,7%.

    O Vigitel também registrou crescimento considerável de excesso de peso. Mais da metade dos brasileiros, 55,7%, tem excesso de peso, considerado o estágio inicial para o quadro de obesidade. Um aumento de 30,8% quando comparado com percentual de 42,6% no ano de 2006. O aumento da prevalência foi maior entre as faixas etárias de 18 a 24 anos, com 55,7%. Quando verificado o sexo, os homens apresentam crescimento de 21,7% e as mulheres 40%.

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    Na década de 1970, no Brasil, apenas 18% dos homens e 28% das mulheres estavam acima do peso. Está claro que o desafio do país mudou. Se há 40 anos a preocupação era com a desnutrição, hoje é a obesidade que mais ameaça a saúde dos brasileiros. Uma das explicações dadas pelos pesquisadores remete ao fato do êxodo rural. O país tinha consideravelmente mais pessoas trabalhando na roça, queimando calorias, do que hoje, que tem mais gente nas cidades, com empregos que exigem pouco esforço físico. Além disso, não há mais espaço para crianças brincarem na rua, porque as cidades cresceram muito, e isso possibilita as atividades digitais com pouca exigência física.

    Obesidade: Um Olhar pela História

    É a primeira vez na história da humanidade que o ser humano tem a possibilidade de trabalhar sentado. Isso antes não era possível. No tempo das cavernas, por exemplo, se o homem acordasse e ficasse sentado numa pedra o dia todo ele não comia, pois era necessário o esforço físico para conseguir o alimento. O homem contemporâneo trabalha sentado o dia todo e no fim do mês tem um salário para comprar comida. O esforço físico quase não é necessário, e só é realizado por conta da disposição e boa vontade do próprio indivíduo.

    Além disso, a facilidade de acesso aos alimentos ultraprocessados gerou um comodismo sem precedentes. O consumo de alimentos de baixo valor nutricional e alto índice calórico fez explodir os ganhos excessivos de peso, impulsionados também pelo conforto que a tecnologia possibilita à vida contemporânea, permitindo deslocamento, diversão, consumo de alimentos e até relacionamentos sem a necessidade de movimento físico. Tudo está nas pontas dos dedos, ao toque de um teclado qualquer-seja do computador, controle remoto ou celular-, concluímos a maioria de nossas ações.

    Obesidade: a imagem psicológica

    Além do sedentarismo, existem outros fatores que contribuem para a obesidade: fatores psicológicos, como a ansiedade; fatores genéticos, pois filhos de pais obesos apresentam uma predisposição de também serem obesos; e fatores culturais, como é o caso do consumo exagerado dos fast foods, comum nos dias atuais, especialmente nas médias e grandes cidades.

    A psicóloga analítica Gisele Accioly lembra que vários aspectos psicológicos inconscientes podem contribuir para o quadro de obesidade. Um deles, segundo ela, é o confronto com as questões existenciais. “Isso pode gerar em nós uma ânsia enorme para encontrar respostas essenciais da vida. E até que essa dinâmica se desenvolva, as angústias por trás dessas buscas, como a não-pertencimento, por exemplo, pode causar ansiedade, dificultando o processo individual de escolha e, por sua vez gerando ainda mais ansiedade. Num círculo vicioso”, conta.

    A frustração também gera ansiedade. “Um exemplo é quando o indivíduo enfrenta alguma dificuldade na realização que está buscando, ou ainda quando se depara com o vazio existencial formado pela falta de manifestação pessoal autêntica. Ou quando enfrenta qualquer outro obstáculo com o qual não consegue lidar e perde o prazer de simplesmente estar vivo. Ou, ainda, quando o indivíduo não canaliza de forma autêntica sua energia criadora, perdendo a capacidade de perceber-se no mundo de maneira construtiva”, explica Gisele.

    Para a psicóloga, “essas são algumas maneiras desse ‘vazio interno’ ir aumentando de tal forma que se transforma em gatilho gerador de compulsões, levando a pessoa a preencher esse ‘buraco’ com algo externo, seja com o jogo, com a bebida, com a comida, com as drogas ou com o sexo. Numa tentativa de solucionar os conflitos internos”, alerta.

    Gisele explica que o alimento está associado a carinho, a interrupção de um desconforto, a acolhimento. Isso desde a primeira mamada de um bebê. “Por isso, os distúrbios alimentares apresentam bases psicológicas que denotam conflitos afetivos associados à busca por alguma coisa. A imagem da nutrição, na Mitologia Grega, está relacionada à Deméter, a grande mãe, a deusa responsável pelas colheitas fartas, que nutria os seres para que eles se sentissem saciados”, relembra.

    Nesse sentido, “essa imagem psíquica de que a grande mãe nos alimenta o tempo todo, se não está bem trabalhada em nós, pode levar a uma patologia dessa saciedade, a compulsão alimentar. Essa compulsão tem por objetivo “buscar manter o indivíduo sempre num estado de proteção permanente, para que ele não sinta a falta, que é justamente o que nos mobiliza a algo. É uma forma de fuga, porque sentir a falta me leva a procurar, me obriga a procurar. E pode exigir atitudes. Ao passo que, se eu não sinto falta, eu não preciso ir em busca. Mesmo que eu fique estagnado e desconectado das minhas reais necessidades, fica essa falsa ideia de que está tudo resolvido. Quando não está”, explica.

    Por isso, a importância de buscar ajuda quando as coisas na nossa vida não estão funcionando de maneira adequada. A “não funcionalidade” acaba sendo o alerta máximo. Ele já é sintoma. Portanto, olhar-se com carinho, cuidar-se e perceber quando as coisas não estão como desejamos pode ser o primeiro passo para a nossa cura. Inclusive, quando se tratar de obesidade.

    Leia a segunda reportagem desta série – Obesidade: “o preço é bastante alto”