O LUGAR CONFORTÁVEL DOS HOMENS

Mais uma vez somos tomados pelo sentimento de choque em relação à violência contra a mulher. Mais um episódio que toma proporções nacionais por envolver agressor relativamente famoso e conhecido nas redes sociais. Vídeos das agressões vieram a público e reforçam a infeliz realidade de muitas mulheres, não só daquela que se vê nas imagens recentes, mas de milhares que todos os dias são vítimas desse comportamento covarde.

O episódio que veio à tona essa semana, é, infelizmente, comum em nosso país. Mulheres são, todos os dias, em todos os lugares e em todos os níveis sociais, vítimas de violência doméstica. Os vídeos publicados e que mostram a agressão do companheiro à esposa ainda no puerpério, junto à filha recém-nascida e da mãe que tentava ajudar, mostram que para esse tipo de agressor não há limites, eles se sentem à vontade para agredir e para se justificar depois.

Nesse contexto, percebe-se que não há circunstância, não há qualquer barreira moral, física ou emocional que limite a agressão, que faça pensar e manter o equilíbrio que seria razoável em qualquer situação de tensão. Agressores não consideram o outro, eles se sentem no direito e com a razão para atingir seus objetivos, ter suas vontades atendidas, ou mesmo apenas consciente ou inconscientemente, “manter” seu lugar de poder e de controle.

Há, portanto, um peso importante do padrão comportamental social, de como enxergamos e como presenciamos a vida em sociedade, como isso funciona ao nosso redor, ou seja, ainda vivemos num ambiente (social) que privilegia o espaço público aos homens e orienta mulheres a ocupar o espaço privado, doméstico e materno, o espaço do servir e do cuidar de forma submissa.

É importante frisar que, não há nada de errado em mulheres que escolhem ocupar mais o espaço privado, se dedicar à maternidade integralmente, ainda que nos primeiros anos de seus filhos, o foco do problema é outro.

O problema é que o espaço público, esse lugar onde são tomadas decisões, onde se trabalha e é remunerado por isso, onde há lucro, onde há visibilidade, permite a ideia de poder, de controle e de “liberdade” para impor sua vontade em detrimento da submissão, e é, justamente, esse padrão, esse comportamento equivocado que socialmente é imposto, que deve mudar, ou seja, receber mulheres para ocupá-lo em pé de igualdade. Na verdade, já vivemos um momento em que mulheres ocupam bem mais os espaços públicos e, também, se impõem. No entanto, é nesse ponto que encontram a resistência e a violência.

E a ideia de monopólio do espaço público, de controle e de poder, é passada aos homens desde cedo, ou seja, essas reações agressivas e violentas sem limites, essa tranquilidade em agredir, podem ser, consciente ou inconscientemente, resultado da defesa do “seu” espaço de poder, e podem estar intimamente ligadas à vida que esse agressor viveu, os exemplos, os padrões que aprendeu, a educação que teve, individualmente falando. A educação é, definitivamente, algo que deve ser revisto em relação a meninos e meninas, sutilezas devem ser revistas. Desde as brincadeiras até a forma de se relacionar com nossas crianças. Não há certo e errado ao brincar, por exemplo. Meninos e meninas podem e devem dividir espaço de brincar, brinquedos, ideias. Ao se relacionar e educar, é válido ensinar meninos a cuidar. Meninas podem aprender a explorar, a jogar, a competir, a liderar. Ambos podem dividir as brincadeiras e aprender a conviver desde sempre nos mesmos espaços.

Meninos podem se mostrar frágeis, eles são frágeis. Meninos podem pedir socorro. Meninos devem ser apoiados, suportados em suas fragilidades, eles não têm que comandar sempre, eles podem dividir suas dificuldades. Meninos devem aprender que os outros, meninas inclusive, também podem estar à frente, e que eles não serão menos por isso.

Meninas podem delegar, deixar que o outro cuide, que o outro faça. Meninas podem decidir e escolher privilegiar o trabalho. Meninas podem andar sozinhas.

Desde sempre é preciso ensinar a viver e desenvolver habilidades. Educar para a vida, ensinar respeito pode evitar que, no futuro, tenhamos que discutir e procurar soluções para problemas como a violência contra a mulher.

*Em caso de necessidade própria ou de outra mulher que esteja passando por qualquer tipo de violência, entre em contato com a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.

Este é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. As ligações para o número 180 podem ser feitas de qualquer aparelho telefônico, móvel (celular) ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, aos finais de semana e feriados inclusive.

* Viviane Teles de Magalhães Araújo é advogada com atuação no mercado corporativo nas áreas cível e trabalhista; Mestra em Direito (Direitos Fundamentais Coletivos e Difusos), Especialista em Direitos Humanos e Questão Social, MBA em Direito Empresarial, Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Autora do livro “Mulheres – Iguais na Diferença” e do artigo “A igualdade de direitos entre os gêneros e os limites impostos pelo mercado de trabalho à ascensão profissional das mulheres”, além de colunista do Saúde Debate

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