Os problemas da saúde, incluindo seu custo, nunca serão resolvidos de forma pomposa com ações midiáticas. Mas quando nos deparamos com atitudes que ecoam, automaticamente refletimos que a saúde não é parte separada do resto do país. Há pouco mais de um mês, chamou atenção da sociedade um veto presidencial a um projeto que facilitava o acesso a remédios orais contra o câncer por meio dos planos de saúde. Não é preciso usar uma calculadora para saber que é muito mais cara a internação de um paciente em tratamento do que garantir a ele comprimidos para uma terapia domiciliar.
Recentemente, um conhecido apresentador de TV fez um desabafo durante seu programa, revelando que gasta cerca de R$ 2 mil reais mensais para o controle do diabetes, mas que se não tivesse dinheiro já estaria morto. Muitos brasileiros não têm a mesma chance.
A gestão da saúde no nosso país sempre foi desafiadora. Os custos dos serviços cada vez mais em escalada, um maior número de pessoas utilizando o Sistema Único de Saúde (SUS), o envelhecimento populacional, maior incidência de doenças crônicas não transmissíveis, recursos escassos e milhares de beneficiários saindo dos planos privados todos os anos compõem uma difícil equação. Na verdade, uma conta em desequilíbrio e que não fecha.
Implantar novos modelos de remuneração faz parte de uma mudança estrutural rumo a um sistema de saúde para o futuro. Mas estruturas sólidas não se constroem do dia para a noite e passam, necessariamente, por um diálogo que envolva os players do setor.
Por isso, a Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (ABIMED) desenvolveu o Paper Valor em Saúde, um trabalho colaborativo ao longo de 2020 em que foram realizadas entrevistas com mais de 30 líderes do setor em diversos estados do país, incluindo representantes de hospitais, convênios privados de saúde, gestores de saúde pública e sociedades médicas e acadêmicas. O resultado foi um documento estruturado em três grandes frentes: desafios jurídicos, regulação e acesso que sinalizam como a indústria de tecnologia médica se encaixa neste novo contexto, considerando as particularidades e necessidades do sistema de saúde brasileiro.
Entre os direcionadores que o documento aponta está o de um consenso de que é necessário estabelecer um sistema assistencial mais eficiente, com adoção do modelo de cuidados em saúde baseados em valor. O conceito de Value-based Health Care (VBHC) teve início em 2006, e desde então movimenta o setor. Criador do conceito, Michael Porter o definiu como o resultado para o paciente envolvendo a qualidade do serviço somado à sua experiência, dividido pelo custo envolvido em um tratamento.
Há bons exemplos. Projetos de atenção primária e de prevenção melhoram a qualidade do atendimento e reduzem desperdícios de recursos. Que o digam os países europeus, que vêm adotando cuidados de saúde baseados em valor para dar conta das pressões que os sistemas de saúde sofrem constantemente.
A fim de manter um atendimento de alta qualidade para sua população, países como Holanda e Alemanha estão implementando novas abordagens para financiar os cuidados de saúde. Na Holanda, as seguradoras usam o pagamento em pacotes para melhorar a coordenação do atendimento a pacientes com doenças crônicas, como diabetes. Na Alemanha, há organizações assistenciais para cuidar globalmente das populações rurais. Todas essas iniciativas convergem em um rico banco de dados que outros países podem usar para descobrir seu caminho no complexo cenário do financiamento da saúde.
Em meio a essa discussão, a indústria de tecnologia de produtos para saúde também caminha para uma participação mais extensa na discussão sobre cuidados de saúde baseados em valor. A ABIMED representa cerca de 200 empresas de diversos tamanhos e origens de capital na área de tecnologia avançadas que representam aproximadamente 65% do mercado nacional.
Em sua passagem pelo Brasil em 2018, o norte-americano Joe Flower, especialista em Healthcare Futurist, avaliou que muitas perspectivas estavam em metamorfose e tais inovações promoviam programas efetivos, que privilegiavam a busca por novo modelo de relacionamento com o paciente e de remuneração para os profissionais e serviços de saúde.
Essa revisão do modelo assistencial se faz necessária no Brasil. Perseverar a excelência é o caminho para acreditar ser possível tornar o sistema de saúde mais eficiente e acessível a toda população.
*Fernando Silveira Filho é administrador e presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (ABIMED)
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