Um estudo publicado na revista médica britânica The Lancet comprova que a hanseníase atinge mais as minorias sociais e que programas sociais são capazes de mitigar a doença. Vinculados a quatro instituições, os pesquisadores afirmam que a análise pode ser considerada uma das que mais amplamente relacionam determinantes sociais com a doença.
De origem brasileira e estrangeira, os 12 autores que assinam o estudo são da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da London School of Hygiene and Tropical Medicine.
De posse dos dados relativos ao Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), a equipe fez um cruzamento com os registros de hanseníase registrados no Brasil, entre 2007 e 2014. Estes últimos constam da base do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
O CadÚnico é uma ferramenta que o governo federal utiliza para conceder benefícios sociais e assistenciais a famílias de baixa renda, como o Bolsa Família. Regulamentada em 2007, a base reúne informações sobre as condições de moradia da família, seu nível de escolaridade e a situação de trabalho e renda.
De um total de 33.877.938 indivíduos inscritos no CadÚnico, foram verificados 23.911 casos de hanseníase. Uma das confirmações obtidas pelos cientistas é de que pessoas que se autodeclaram pretas são mais suscetíveis a contrair hanseníase do que as que declaram ser pardas e brancas.
Ser negro pode elevar o risco de alguém ser acometido pela doença em até 40%, o que já provoca preocupação. Do mesmo modo, o resultado referente a crianças e jovens pretos com idade até 15 anos justifica a articulação de medidas específicas: eles têm 92% mais chances de ter hanseníase do que brancos com a mesma faixa etária.
Entre os indígenas, verificou-se a menor incidência da doença. Isso, porém, ressaltam os autores do estudo, pode não condizer com a realidade. A explicação é de que esse grupo populacional se encontra, muitas vezes, isolado e sem tanto acesso ao atendimento de saúde, de maneira que o índice pode estar subnotificado.
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Não ter uma fonte de renda também pode ser um elemento que transforma a hanseníase em uma ameaça real. A descoberta é de que pessoas em situação de miséria ou pobreza (que não dispõem de nenhuma renda ou que ganham até cerca de R$ 250 mensais) acabam tendo um risco 40% maior do que aqueles que recebem mais de um salário mínimo. “Além disso, indicadores diretos de privação, incluindo ausência de renda familiar, baixo nível de escolaridade e fatores que refletem condições de vida desfavoráveis, estavam associados a uma incidência de hanseníase até duas vezes maior”, disseram os pesquisadores.
O estudo também destaca que a população das regiões Norte e do Centro-Oeste tem, aproximadamente, oito vezes mais chance de contrair hanseníase do que habitantes da Região Sul. Quando a observação fica circunscrita a crianças, conclui-se que têm mais risco aquelas que vivem no Norte, onde a probabilidade de se desenvolver a enfermidade chega a ser 34 vezes maior do que entre crianças de Santa Catarina, do Paraná e Rio Grande do Sul.
Dados gerais e diagnóstico
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 200 mil novos casos de hanseníase são detectados em todo o mundo, a cada ano, sendo que o Brasil, a Índia e Indonésia concentram 80% desse total. Ainda segundo a entidade, o Brasil respondeu por 93% dos 29.101 casos detectados em 2017.
A hanseníase é uma doença crônica e que tem como agente etiológico o bacilo Micobacterium leprae. A infecção por hanseníase pode acometer pessoas de ambos os sexos e de qualquer idade. Conforme ressaltou a relatora especial da Organização das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra Pessoas Afetadas pela Hanseníase, Alice Cruz, a doença tem difícil transmissão, já que é necessário um longo período de exposição à bactéria, motivo pelo qual apenas uma pequena parcela da população infectada chega a realmente adoecer.
A doença é transmitida pelas vias áreas superiores (tosse ou espirro), por meio do convívio próximo e prolongado com uma pessoa doente sem tratamento. A doença apresenta longo período de incubação, ou seja, há um intervalo, em média, de 2 a 7 anos, até que sintomas se manifestem. De acordo com o Ministério da Saúde, já houve, porém, casos atípicos, em que esse período foi mais curto – de 7 meses – ou mais longo – de 10 anos. A OMS acrescenta que os sintomas podem demorar até 20 anos para aparecer.
A hanseníase provoca alterações na pele e nos nervos periféricos, podendo ocasionar, em alguns casos, lesões neurais, o que gera níveis de incapacidade física. Os estados do Maranhão e do Pará são os que concentram mais quadros do grau 2 de incapacidade física, quando a análise se restringe a pacientes com até 15 anos de idade, enquanto o Tocantins tem a maior taxa entre a população geral, de todas as faixas etárias.
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