
A indústria do tabaco evoluiu, mas os danos continuam os mesmos — ou até piores. Cigarros eletrônicos, vaporizadores e dispositivos aquecidos têm ganhado espaço principalmente entre os jovens, reacendendo um alerta global sobre os riscos do consumo de nicotina e a necessidade urgente de políticas de prevenção mais eficazes. Apesar de muitas vezes vendidos como alternativas “mais seguras” ao cigarro convencional, os dispositivos vêm se tornando porta de entrada para o vício em nicotina — e podem ser o estopim de uma futura epidemia de câncer.
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“Se mantivermos o ritmo atual de consumo entre adolescentes e jovens adultos, em 20 anos estaremos enfrentando uma nova onda global de câncer, especialmente de pulmão. É uma repetição do que vimos no século passado com o cigarro tradicional, mas agora sob um novo disfarce”, alerta o oncologista William Nassib William Jr, líder nacional da especialidade tumores torácicos da Oncoclínicas&Co.
Em uma entrevista à GloboNews, que viralizou nas redes sociais, a pneumologista Margareth Dalcomo fez um alerta que reforça ainda mais o cenário: “Temos atendido adolescentes de 15, 16 anos com danos nos pulmões que estamos acostumados a ver em pessoas que fumam há 40, 50 anos”. Ela explicou ainda que esses dispositivos são consumidos continuamente, com altas doses de nicotina e outras centenas de substâncias químicas, muitas vezes sem qualquer controle de fabricação.
De símbolo de status a ameaça invisível
A Geração Z, nascida entre 1997 e 2012, estava prestes a ser a primeira a se afastar definitivamente do cigarro. No entanto, a chegada dos dispositivos eletrônicos mudou esse cenário. Com apelo tecnológico, sabores atrativos e forte presença nas redes sociais, os vapes conquistaram os jovens — e já preocupam a comunidade médica.
“Hoje, temos adolescentes que sequer experimentaram um cigarro tradicional, mas já são dependentes de nicotina. Isso representa um retrocesso grave em termos de saúde pública”, afirma o oncologista.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o uso do cigarro eletrônico aumenta em mais de quatro vezes a chance de um não fumante passar a consumir o cigarro convencional. Para o especialista, trata-se de um ciclo vicioso altamente perigoso.
“A falsa sensação de segurança em relação aos dispositivos eletrônicos cria um terreno fértil para o vício. Precisamos agir com urgência para evitar que uma nova geração sofra as consequências que já conhecemos tão bem”, complementa.
Redes sociais: a vitrine digital do vício
O alcance dos cigarros eletrônicos entre os jovens não seria tão expressivo sem a força das redes sociais. Influenciadores, vídeos chamativos, desafios virais e anúncios disfarçados ajudam a naturalizar — e até glamourizar — o uso dos vapes entre adolescentes e jovens adultos. Esse cenário acendeu o alerta das autoridades.
Recentemente, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) notificou plataformas como Instagram, YouTube, TikTok, Mercado Livre e Enjoei para que retirem do ar, em até 48 horas, conteúdos e anúncios que promovam ou comercializem cigarros eletrônicos e outros produtos derivados do tabaco cuja venda é proibida no Brasil desde 2009.
A determinação surgiu após o Conselho Nacional de Combate à Pirataria identificar mais de 1.800 conteúdos ilegais, sendo a imensa maioria no Instagram. Contas de vendedores e influenciadores que promovem os produtos somam quase 1,5 milhão de seguidores — o que revela o tamanho da influência digital por trás da nova epidemia de nicotina.
Riscos ainda pouco compreendidos — mas cada vez mais evidentes
Embora os efeitos de longo prazo do cigarro eletrônico ainda estejam sendo estudados, os indícios atuais já são preocupantes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), adolescentes que utilizam vapes têm maior propensão a se tornarem fumantes na vida adulta. Além disso, há registros crescentes de lesões pulmonares associadas ao uso dos dispositivos — algumas, inclusive, fatais.
“Estamos apenas começando a entender os efeitos dos cigarros eletrônicos. Sabemos que causam inflamações pulmonares, prejuízos cardiovasculares e danos à saúde bucal. Mas é provável que as consequências mais severas, como o aumento de tumores, só apareçam nas próximas décadas. Isso exige ação preventiva imediata”, ressalta o oncologista.
Parte da gravidade do problema está no potencial viciante dos vapes: dispositivos com aparência inofensiva podem conter doses de nicotina equivalentes a até cinco maços de cigarro comum. “A nicotina por si só não causa câncer, mas ela é o que sustenta o vício. E quanto maior o vício, maior a exposição a substâncias que, essas sim, são cancerígenas”, explica.
Muitos não reconhecem os sinais do vício nem compreendem o impacto que o uso frequente pode ter na saúde a longo prazo. Essa banalização do consumo torna ainda mais difícil interromper o ciclo antes que ele se consolide, reforçando a necessidade de campanhas educativas que falem a linguagem dessa nova geração. “É fundamental que as autoridades, escolas, famílias e profissionais de saúde se mobilizem. A batalha contra o cigarro tradicional foi longa e salvou milhões de vidas. Não podemos perder essa guerra agora para os cigarros eletrônicos”, finaliza William Nassib William Jr.
*Informações Assessoria de Imprensa