A demanda por leitos hospitalares para o tratamento da Covid-19 já parou na Justiça. Existem decisões judiciais obrigando hospitais privados a cederem leitos para atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isto aconteceu no Rio de Janeiro, além de outros estados.AMP Caso a medida seja ampliada, a rede privada teme uma desorganização no sistema, o que incluiria a criação de uma espécie de “fila única” para atendimento nessas unidades.
Por enquanto, são situações isoladas. O ministro da Saúde, Nelson Teich, afirmou durante uma entrevista no dia 6 de maio que, caso o SUS entre em colapso, a utilização de leitos dos hospitais privados deve ser negociada, e não resultado de uma imposição. De acordo com ele, ainda não há um posicionamento sobre a possibilidade de uso dos leitos pela rede pública, mas a negociação deve ser o caminho adotado pelo governo federal.
“O ministro da Saúde teve um posicionamento tranquilo e foi feliz nas palavras. Mas é preciso levar em consideração que a decisão sobre os leitos é da secretaria municipal da Saúde ou da secretaria estadual da Saúde”, afirma o presidente da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná (Femipa), Flaviano Feu Ventorim.
Flaviano Feu Ventorim, presidente da Femipa
(Foto: Pedro Vieira)
Em Curitiba, a entidade teve conversas com representantes das duas secretarias e houve um entendimento, de acordo com Ventorim, de que uma postura forçada não é o melhor caminho, em uma eventual necessidade por leitos. “Se precisar, vamos conversar”, explica.
Ventorim também informa que, durante essas conversas, houve um pedido para a elaboração de um plano de ocupação de leitos pelo SUS para o tratamento da Covid-19. “A ideia é, primeiramente, ocupar os leitos dos hospitais públicos. Em seguida, viriam os hospitais filantrópicos, que já possuem contratos com o SUS. E, em terceiro lugar, viriam os hospitais particulares. Este seria o modelo mais lógico”, indica.
O presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviço de Saúde no Estado do Paraná (Fehospar), Rangel da Silva, comenta que decisões judiciais para a disponibilização de leitos dos hospitais privados ao SUS preocupam porque podem abrir precedente. “Causa preocupação, apesar da nossa ligação com o governo do Paraná e nosso bom relacionamento com o secretário de Estado da Saúde, Beto Preto. Mas já colocamos a nossa preocupação de uma interferência unilateral. Há possibilidade de fornecer leitos? Há. Mas vamos conversar”, declara.
Rangel coloca que aqueles estabelecimentos que estão com baixa ocupação dos leitos poderiam cedê-los para o atendimento pelo sistema público, desde que isso acontecesse a partir de uma conversa amigável e com quem estivesse disposto a isso. “A vocação do hospital é atender. O que não queremos é uma decisão arbitrária”, enfatiza.
Flaviano Ventorim conta que, em Curitiba, a taxa de ocupação dos leitos na rede privada está entre 40% a 50%. O presidente da Femipa também revela preocupação com essas decisões judiciais em outros estados. “Os hospitais privados já estão com a estrutura voltada para os usuários dos convênios de saúde. Se houver tomada à força, pode ser uma situação difícil se não acontecer de forma organizada. Em um momento como esse, se houver desgovernança, os pacientes podem até mesmo não saber para onde ir”, afirma.
Rangel da Silva também cita outro problema: os usuários dos planos de saúde passariam a ser atendidos pelo SUS, sobrecarregando a rede pública. “Pode existir um efeito contrário. Por isso, a melhor forma é sentar e conversar”, frisa.
Rangel da Silva, presidente da Fehospar
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Finanças
Se por um lado a ocupação “controlada” dos leitos é reflexo de medidas para a prevenção da Covid-19 – o que é positivo, na avaliação de Flaviano Ventorim -; por outro, deixa os hospitais privados em uma situação vulnerável. Neste momento de pandemia, cirurgias eletivas e outros procedimentos foram cancelados, afetando diretamente as receitas das empresas da área da saúde. A situação preocupa não apenas pela queda na arrecadação, mas porque há um aumento do custo da estrutura em função do atendimento e tratamento da Covid-19.
“Os hospitais privados dependem de atendimento. Se não tem atendimento, não tem remuneração. E há demora de 60 dias para receber. Agora, os hospitais vão receber pelo que fizeram em março. A partir do mês que vem, terão metade do caixa. Os hospitais terão menos recursos em um momento em que a estrutura está custando mais caro. Existe um sério risco de os hospitais não aguentarem se essa situação durar 120 dias. Corre o risco de hospital fechar porta. É uma bomba relógio do ponto de vista econômico”, revela o presidente da Femipa. Ele ainda revela que os estabelecimentos também buscam uma solução junto às operadoras de planos de saúde.
Auxílio
Não foi aprovada, até o momento, uma linha de crédito ou medida emergencial para os hospitais privados neste momento de pandemia. Rangel da Silva, presidente da Fehospar, expõe uma grande preocupação porque os hospitais dedicados a especialidades estão realizando cerca de 30% dos atendimentos em geral. As receitas dos hospitais paranaenses caíram 60%, de acordo com ele. “Tem hospital onde as cirurgias zeraram, porque é um hospital de especialidades; em outros, a queda foi de 90%. E também existe uma questão cultural do brasileiro. Ele procura diretamente o hospital para ser atendido. Neste momento, ele fica com receio de ir até lá”, conta.
Segundo Rangel, os hospitais totalmente privados tomaram as atitudes possíveis neste momento para compensar as perdas nas receitas, sem afetar a estrutura. “Estamos nos mobilizando por ajuda, esperando abrir uma linha de crédito ou alguma outra medida, como algo ligado à energia elétrica, por exemplo. Os hospitais não conseguem se encaixar nos critérios para financiamento de folha de pagamento. Os grandes hospitais podem ainda ter alguma ‘gordura’ para queimar, mas os demais ficam em situação mais complicada”, relata o presidente da Fehospar.
Filantrópicos
Para os hospitais filantrópicos, foram aprovadas medidas que podem ser benéficas ao setor. No entanto, ainda não geraram efeitos concretos, conforme o presidente da Femipa.
O presidente Jair Bolsonaro sancionou no dia 6 de maio a Lei 13.995/2020 para o repasse de R$ 2 bilhões para as Santas Casas e hospitais filantrópicos. O dinheiro deve ser utilizado para o controle do avanço da epidemia da Covid-19, em ações articuladas com o Ministério da Saúde e gestores municipais e estaduais do SUS. O crédito deve ser repassado em 15 dias. “Ainda não sabemos quanto virá ao Paraná e como será essa distribuição”, diz o presidente da Femipa.
E foi aprovado um projeto de lei para o não cumprimento de metas quantitativas e qualitativas, por parte dos hospitais filantrópicos que prestam atendimento pelo SUS, durante mais 90 dias. Essas metas estão atreladas à prestação de serviços de saúde ao Sistema Único de Saúde e, com isso, os hospitais filantrópicos obtêm isenções de tributos. Durante a pandemia, com a suspensão de vários serviços, havia o temor de não alcance dos parâmetros. O projeto foi aprovado no Congresso Nacional e depende da sanção do presidente Bolsonaro.