Uma série de estudos tentam verificar se a Covid causa danos neurológicos. Um dos mais recentes, produzido pela Universidade de Oxford e publicado em março pela revista Nature, mostrou que a Covid-19 pode provocar um “encolhimento” do cérebro, com redução da massa cinzenta. E isso acontece em regiões ligadas justamente à memória e ao olfato, o que justifica as queixas de pacientes sobre perda de memória e de olfato durante e no período pós-doença.
Conforme a pesquisa, foi verificada a redução entre 0,2% a 2% no tamanho do cérebro em pacientes com diferentes graus da infecção causada pelo coronavírus. Ou seja, independente de casos leves ou graves, ou ainda com necessidade de internamento hospitalar. E redução do tamanho do cérebro significa perda de neurônios, o que mostraria os efeitos que alguns pacientes sentem.
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Um dos objetivos do estudo foi verificar se a Covid causa danos neurológicos. Para isso, os pesquisadores observaram um grupo de 785 pessoas, entre 51 e 81 anos. Eles passaram por testes cognitivos e exames de imagens. Aqueles que tiveram diagnóstico positivo para Covid-19 no período de acompanhamento foram submetidos a novos testes e exames.
O Saúde Debate ouviu o médico neurologista João Rafael Argenta Sabbag, do Hospital VITA, em Curitiba (PR), para comentar mais sobre esses dados e saber se a Covid causa danos neurológicos. De acordo com ele, as informações reveladas na pesquisa publicada na revista Nature, uma das principais do mundo, ajuda a “montar o quebra-cabeça” sobre as consequências da Covid-19.
“No início, não se sabia muito bem por que os pacientes perdiam o olfato, ou o motivo das queixas da perda de memória. A substância cinzenta, na parte mais da frente do cérebro, é a região da entrada dos neurônios que vem de dentro do nariz, trazendo a sensibilidade da olfação. A parte mais da frente do cérebro também é da fala e da memória, onde estão guardadas as nossas palavras”, explica o especialista.
Sobre a redução no tamanho do cérebro, o médico explica que, normalmente, o envelhecimento causa uma perda de 0,2% ao ano do volume do órgão. O fato de a Covid-19 poder provocar uma redução ainda maior chama atenção. De acordo com Sabbag, isso pode não gerar tantas consequências para um paciente jovem. Entretanto, a situação pode ser diferente para um idoso.
“Em uma pessoa idosa, com um consumo neuronal elevado, isso (a infecção por Covid-19 e a redução no volume do cérebro maior do que o esperado) pode acelerar, por exemplo, um quadro demencial. Uma doença pode aparecer antes do tempo por conta da perda neuronal em função da Covid-19. E chama atenção que pacientes que acima dos 60 anos são os que mais sofrem com essa doença. Se existir uma predisposição, a Covid-19 pode acelerar o quadro”, alerta.
O médico neurologista ainda pondera sobre os efeitos da infecção pelo novo coronavírus e se a Covid causa danos neurológicos. De acordo com ele, o cérebro apresenta uma situação chamada de neuroplasticidade. Trata-se da capacidade que os neurônios possuem de adquirir novas funções. E eles fazem isso em áreas lesionadas.
“Em um paciente mais jovem, essa capacidade é maior do que idosos. Existe essa possibilidade que os neurônios próximos a esses perdidos a mais pela Covid possam assumir suas funções. É algo que, por ser muito recente, ainda não tem resposta. Mas há caminhos apontando para isso, pois parte dos pacientes restabelecem o olfato. Na síndrome do pós-Covid, nem todos permanecem com a perda da olfação. Por isso, podemos indicar que essa neuroplasticidade acontece também”, aponta.
De qualquer forma, Sabbag explica que esse estudo vai resultar na abertura de outras pesquisas para avaliar as consequências da doença, inclusive aprofundando a busca por respostas para saber se a Covid causa danos neurológicos a longo prazo.
Tive perda de memória: e agora?
Quem sente efeitos no período pós-Covid deve observar muito bem o seu quadro. O médico neurologista do Hospital Vita orienta a busca por um especialista se a perda de memória e de olfato persistir por mais de seis meses. “O médico neurologista poderá fazer uma avaliação, a partir da imagem do crânio e da testagem cognitiva. Não teremos, na maioria dos casos, a comparação com o panorama antes da infecção. Entretanto, com a imagem e a testagem, conseguimos ter uma boa ideia da condição do paciente”, salienta.
A partir disso, será possível fazer um diagnóstico e indicar um tratamento, caso seja necessário. “Há pacientes que, aos poucos, recuperam as funções e conseguem desempenhar as atividades cotidianas. A queixa de memória pode persistir por algum tempo, e isso não significa um quadro demencial. Uma vez tendo as queixas, é importante procurar o especialista para ter um diagnóstico correto e fazer o tratamento mais apropriado”, enfatiza.
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