Covid-19, um ano depois

Hoje, dia 26 de fevereiro, completamos um ano do primeiro caso positivo de Covid-19 registrado no Brasil.  Um homem de 61 anos, residente em São Paulo e que havia chegado da Itália alguns dias antes.  Poucos dias depois, em 12 de março, ocorria a primeira morte, uma mulher de 57 anos, também em São Paulo capital.

Um ano após o início da pandemia e ainda estamos longe do fim dessa verdadeira catástrofe que abateu o mundo, ainda que tenha atingido de modo absolutamente desigual países, regiões e também igualmente desigual dentro de várias cidades e países, no caso do Brasil.

A pandemia desnudou uma outra grave doença, essa crônica e agravando ainda mais a profunda desigualdade social, em especial no Brasil.  Diversos estudos demonstram que negros e moradores de periferia, com trabalhos mais expostos e menor acesso à rede de saúde, adoecem e morrem em índices bastante superiores a outros segmentos, em geral brancos e de renda mais alta.

Atingimos a surpreendente marca de 2,5 milhões de mortes no mundo, sendo incríveis 20% do total das mortes nos Estados Unidos e 10% no Brasil, onde ultrapassamos 250 mil perdas.    Ouvi essa semana do ator Dan Stulbach que se os norte-americanos fizessem um minuto de silêncio por cada uma das suas 500 mil mortes, cifra alcançada nesta segunda-feira 22, ficariam em silêncio 347 dias do ano.  No Brasil seria um silêncio de 174 dias, por enquanto!

Os números são superlativos. Quando imaginaríamos um ano atrás tanto sofrimento, sem estarmos numa real guerra e onde a vida se esvai com enorme brutalidade.  

Ao completar um ano, estamos convivendo com mortes e sofrimento muito próximos.  Cada um de nós conhece pessoas próximas que morreram ou adoeceram.  Em alguns casos dentro da própria família. Sinal inequívoco da extensão da tragédia.

O sofrimento não cessa nos desfechos diretos da Covid-19. Inúmeros problemas surgiram e se alastraram tornando a vida da população bastante comprometida).  Milhões de estudantes fora das escolas durante todo o ano letivo e expondo uma série de desigualdades. Diferenças entre os que somente foram esquecidos em casa ou mesmo nas ruas por limitações de acesso ao ensino à distância e aqueles com adequadas ou melhores condições para minorar o prejuízo por estarem afastados da escola, bem como tantos prejuízos sociais e psicológicos associados.  

Milhões perderam os empregos, acentuando a desigualdade e acelerando a pobreza.  O governo compensou temporariamente e parcialmente tais efeitos com o auxílio emergencial, mas não de forma estruturante que evite um recuo de anos em termos de diminuição da pobreza e combate a desigualdade. A crise do COVID-19 potencializa assim os efeitos da desconstrução que já vinha em curso de políticas sociais e garantias.  

Apesar de provocada pelo mesmo vírus, a pandemia não foi a mesma no mundo, basta contrapor a nossa experiência coma Nova Zelândia ou a Alemanha.  Havia e há modos distintos e que permitem esperança.  Infelizmente ainda não aqui na terra brasilis, onde os erros superam de muito os acertos.  Um ano e parecemos estar próximos do olho do furacão, com o aumento da circulação de novas variantes e ainda incipientes na vacinação, além do abuso irresponsável sobre os mecanismos de controle, sobretudo distanciamento social, com dirigentes governamentais próximos da rotina e lavando as mãos: “é isso aí”!  

Sim, depois de um ano, quem não está cansado?  Então fazemos um churrasco para amigos, apenas uns 40! Ou que tal uma rave na praia, com um pouquinho mais de gente, umas 10 mil! Para maior “segurança”, fazemos mesmo uma festa clandestina! Atitudes como essas refletem não um cansaço, compreensível, mas uma irresponsabilidade e descaso com a vida. 

Mas aprendemos muito neste ano.  Esse papo de que o vírus é “competente”, claro que é.  Mas a ciência é muito mais.  Aprendemos que cloroquina, ivermectina e ozônio, não ajudam em nada.  Servem mesmo para desviar, enganar, matar. Sim, mas o Conselho Federal de Medicina não vetou ainda.  Pois é, tem médicos burros, já disse meu amigo Gonzalo Vecina.  

Pela primeira vez na história humana alcançamos não apenas uma vacina, mas várias vacinas em menos de um ano.  Feito civilizatório e científico.  As cooperações científicas e tecnológicas mundo afora, impulsionadas pela pandemia, deram muito resultado e assim seguirão, não apenas no campo das vacinas.  Ao final de 2021 teremos mais de 7 bilhões de doses das diversas vacinas produzidas.  Aquém do necessário globalmente, mas fato excepcional.

A disputa pela vacina mostra, no entanto, mais e mais desigualdade. Há países como os Estados Unidos que compraram vacinas para vacinar o dobro da sua população.  Outros sequer avistam o final da fila! No caso do Brasil, parabéns e salve a Fiocruz e o Butantan, que mobilizaram desde meados de 2020 importantes e fundamentais acordos para termos vacinas.  Ambos agora com 120 anos de história em defesa da ciência, da vacina e da vida. 

Sim, deveríamos ter mais vacina “ontem”, mas a partir dessa semana tudo indica fluxo contínuo e crescente de vacinas fornecidas pela Fiocruz e Butantan, alcançando algo como 330 milhões de doses ao longo do ano.  E pressão no governo para termos mais e o mais rapidamente.  Quem tem um PNI que possui feitos de 18 milhões de vacinas aplicadas num único dia (poliomielite) ou bem recentemente 80 milhões em 3 meses (influenza), sabe muito bem vacinar, sendo exemplo para o mundo.  Mas essa estrutura precisa de mais vacinas disponíveis.  Repito, Fiocruz e Butantan, são patrimônios da sociedade em defesa da ciência e da vida.

No Paraná importante o diferencial da testagem, sendo o estado que mais testa RT-PCR no país, graças a uma forte cooperação Fiocruz/IBMP/Tecpar com Lacen-PR e SESA.  Mas, infelizmente não podemos assegurar que o fizemos com todo o potencial de uso dos testes.  Vigilância epidemiológica, monitorando e isolando contatos, além de mais testes poderia e ainda pode ser bem melhor.  

No estado foram mais de 11.200 mortes. Semana passada os dados de mais de 50 mil testes realizados no IBMP mostraram positividade acima de 40% com amostras de todo o Paraná.  Pandemia graçando e pouco isolamento e pouca testagem de contatos. O IBMP, isoladamente, realizou desde março de 2020 quase 1,5 milhão de testes, tendo ainda desenvolvido e fornecido o teste que serviu de contraprova pelo Ministério da Saúde para o primeiro caso positivo no Brasil, em 26 de fevereiro. 

Ao final de um ano de pandemia, muito sofrimento, aprendizado e pouco a comemorar. As UTIs estão voltando a picos de ocupação país afora e no Paraná.  As mortes em patamares similares aos piores momentos.  

É momento de assumirmos medidas mais firmes para conter a pandemia.  Vacina sim, e vacina logo, mais vacina.  Mas a estratégia focada exclusivamente na vacina não basta.  Tanto não temos vacinas em volume suficiente e no curto prazo, quanto estamos diante de variantes que ainda não nos permitem tranquilidade, mesmo que tivéssemos vacina em abundância.

O ano de 2021 pode ser diferente, mas vai nos custar mais sacrifícios e exigir coragem.  Atentem para o fundamental lockdown da cidade de Araraquara.  Atentem para diretores de hospitais, como neste dia 22 alertou a superintendente do HU de Londrina, com 144% de ocupação nas enfermarias Covid e 89% na UTI: “estamos à beira do colapso”. Os dados de ocupação geral de enfermarias e UTIs do estado do Paraná estão no momento sob controle apenas na média, pois várias cidades e regiões beiram riscos sérios de colapso.

Em muitas regiões do país e mesmo no Paraná, medidas restritivas visando retomada de mais distanciamento social precisam ser acionadas.  Ainda é tempo da população e, sobretudo governantes e dirigentes, entenderem que a pandemia não terminou e não vai terminar na semana que vem!  Sejamos responsáveis e corajosos, como o foram alguns dos líderes que assim atuaram em seus países.

E que tenhamos o que comemorar o mais breve, não precisando esperar mais um ano.

* Pedro Ribeiro Barbosa é diretor-presidente do Instituto de Biologia Molecular do Paraná

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