Comportamentos de risco na pandemia merecem punição legal mais rígida

Embora a tipificação de um crime seja um assunto polêmico (e de difícil precisão, portanto) no âmbito do direito, geralmente ele está ligado a uma infração penal ou uma contravenção para a qual a lei determina uma pena. Tratar-se-ia de uma violação a um bem legalmente protegido, o qual é atacado por um determinado comportamento ou fato que se opõe frontalmente ao bem comum que a lei pretende resguardar. Nesse caso, o crime está sempre relacionado a uma conduta que coloca em risco o interesse dos indivíduos, seja isoladamente seja coletivamente.

Todos sabemos da gravidade da pandemia no Brasil neste momento. Uma situação que vem sendo agravada pelas campanhas contra as medidas sanitárias por parte do presidente da república, que é, de fato, quem coordena as políticas que, longe de evitarem a morte, têm feito aumentar os números de casos, levando ao colapso do sistema de saúde. Mas isso não é tudo e isso não justifica a atitude criminosa de muitas pessoas que andam de cá para lá, sob a reivindicação de um pretenso direito de ir e vir, com um vírus a tiracolo, espalhando suas variantes e colocando em risco familiares, amigos, conhecidos e desconhecidos.

Mesmo com a informação corrente sobre a necessidade das medidas, difundidas mundialmente pelas várias mídias, que incluem isolamento, máscara e mãos limpas, agir dessa forma não é apenas eticamente reprovável, mas criminalmente imputável. Sim, trata-se de um crime. Participar de uma aglomeração, comparecer a festas clandestinas e reuniões privé onde é celebrado o descaso com o bem comum, é um comportamento que merece uma punição rígida por parte das autoridades. O pecado da ignorância e da negligência não pode mais ser desculpado!

Quem age de forma irresponsável, negando a obviedade dos fatos, torna-se um criminoso. O agente, nesse caso, atesta sua imprudência, precipitação, falta de cautela, negligência, descuido e imperícia, em outras palavras, ele age de forma culposa, quando assume o risco de causar dano a outrem, conforme consta no artigo 18, inciso II do Código Penal brasileiro. Prenda-se, portanto, puna-se com multa rígida, que pode incluir, para além da perda do direito de liberdade, o pagamento de altas multas, cujo dinheiro pode ser revertido para o atendimento dos doentes, a quem ocorre faltar não só oxigênio como remédios básicos em muitas cidades brasileiras.

A ética da precaução e da responsabilidade nos ensina que o melhor é sempre apelar para a consciência de cada indivíduo, a fim de convencê-lo voluntariamente do que deve ser feito em caso de emergência, como é o nosso. Mas essa mesma ética assegura o direito de que as autoridades atuem de forma unilateral para obrigar tais comportamentos com medidas extrínsecas, quando os indivíduos, seja por ignorância, seja por má-fé, tornam-se, eles mesmos, uma ameaça para o bem de todos.

O vírus, afinal, não anda por aí às soltas; não voa em asas de passarinhos, não se espalha pelo hálito dos cães e nem pelas patas das aranhas. O vírus se dissemina pela teimosia, pela imprudência e pela obstinação macabra de quem fecha os olhos para o fato óbvio de que, para viver em sociedade, cada um deve merecer, ou seja, fazer a sua parte. A vida social foi uma invenção humana para superar a nossa fragilidade natural: sem os outros, não teríamos sobrevivido enquanto espécie.

A sociedade é um artefato útil para nós, “os mais fracos e perecíveis entre os seres”, para usar a definição do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Ocorre que o seu benefício exige também um investimento. Foi Freud, principalmente em seu seminal Mal-estar na civilização, quem tematizou essa troca entre prazer e segurança: para viver em sociedade, todos precisamos desse câmbio, do contrário, nem uma coisa nem outra serão alcançadas. Quem quer só prazer, perde o direito à segurança, portanto. Não ser capaz de abrir mão de alguns dias de festa e aglomeração, não ser capaz de usar a máscara e cuidar da higiene das mãos, ou de tomar a vacina quando for a sua hora, coloca tal indivíduo em rota de colisão com o bem comum, que é o ideal fundador da vida social.

Diante do agravamento dos fatos, há muito a ser feito. Uma delas é punir com mais gravidade os criminosos que espalham a doença e levam a morte aos milhares, diariamente. Como todo crime, esse exige punição rígida, pois, ao que parece, o apelo às consciências não está sendo suficiente para conter a pandemia do egoísmo, da ignorância e da vigarice que se abate sobre nós. A lei, fruto da razão humana, precisa nos salvar dessas trevas novamente. 

* Jelson Oliveira é Doutor em Filosofia e professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É autor de vários artigos publicados em revistas nacionais e internacionais e de vários livros, além de colunista do Saúde Debate

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