Coitados dos homens

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2021-09-30 | 22:06h
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2022-03-29 | 17:32h
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Saúde Debate
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Coitados dos homens. Eles aprendem desde criança que, para serem homens como são ou deviam ser, precisam pisar o máximo que puderem em suas irmãs e fazer como o pai, cujo privilégio máximo de urinar em pé, lhe dá um direito metafísico de autoridade máxima sobre sua mãe, que inclui todo o tipo de impropérios diários. Coitados dos homens. Eles crescem adestrados pelo autoritarismo da força que eles mesmos precisam fingir diante de todos os outros. Coitados. Eles não podem lavar louça ou varrer a casa porque algum desses “outros homens” pode usar essa prova contra a sua masculinidade. Coitado. O seu próprio ser vive em crise, entre uma piada e outra, uma chacota, uma fofoca ou o medo de um mexerico. Difícil tarefa essa de provar que “gosta de mulher” aprendendo que isso significa maltratá-las, agredi-las e ultrajá-las sem medidas, cujo esforço inclui o dever diário de assoviar quando ela passa, passar-lhe a mão na bunda, soprar-lhe obscenidades ao ouvido, molestá-la o mais possível. Tudo para provar quem é. Coitado!

Desde quando estava no berço, aprendeu que a força era a sua lei e com ela dispensaria tudo: educação, gentileza, civilidade, cultura. Nada disso combina com a virilidade máxima desejável. Sua palavra precisa ser grossa, rude, sem trejeitos. Seus passos firmes, duros, concentrados. Nenhum gesto fora de controle, nenhum riso em demasiado, nenhum abraço ou carinho, nenhuma suspeita, nada. Nenhum risco, afinal, pode ser admitido. Na sua brutalidade, cresce um vocabulário azedo, estúpido, macho. Ele aprendeu, coitado, com o exemplo dos outros homens, a quem copia, cegamente, imitando maneiras e repetindo imbecilidades. No aniversário, coitado, ganhou bolas e carrinhos e foi mandado à rua como quem obriga ao mundo. Nada de fogões ou bebês para cuidar, nada de panos ou crochês, nenhuma vida doméstica, nenhum interesse por intimidades. Afinal, seu lugar é lá fora, desde a pré-história. É nesse aberto, guardião de tudo, mãos a ferro e brasa, machado e durezas, que ele há de criar a si mesmo, coitado. Impolido, bruto, mal-educado.

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De adulto, gozou sem dar prazer. Admirou seu pênis como um privilégio em forma de vara, com a qual humilharia as mulheres pelo resto da vida. Instrumento de verrumar o corpo alheio, é nesse pedacinho de carne, afinal, que lateja a sua glória de macho, todos os seus direitos maiúsculos, a sua quase divindade. Junto com recusar carícias, ele renega a própria carência. Afinal, coitado, ele precisa acreditar, desde sempre, em sua transcendência e soberania: o homem não é desse mundo e nem veio para ficar, por isso, nada de entregar-se a ele; ao contrário, é preciso lutar, dominar, ocupar, preponderar, fazer-se senhor. Seu jeito de ser, aos poucos, sequestrou o que ele era em nome do que deveria se tornar. Foi submetido a todas as instituições de repressão cuja defesa da masculinidade fez dele um anti-herói – ou, melhor dizendo, uma anti-vítima. Esse avesso da vitimidade é a sua própria cegueira que o torna, aos poucos, o algoz mais terrível de todos, pronto para agir em qualquer circunstância.

Foi esse mostro que passou a mão na bunda da jovem Andressa Lustosa, essa semana, em Palmas. Ele fez aquilo, na companhia de quatro amigos, como um ato cuja inocência estava revestida pela impunidade cotidiana de inúmeras outras atitudes semelhantes e por todas as lições que a sociedade lhe deu, desde pequeno. Por isso aqueles jovens seguiram adiante, deixando para trás uma mulher caída, humilhada, abatida pelos desejos do pênis. No chão, onde sempre deveria estar, Andressa foi salva pela câmera que filmou o ato por acaso, com repercussão imediata. Caída e ferida, ela foi exposta. Os criminosos, contudo, contam com o anonimato da lei. Para a mídia, eles são “os homens” e permanecem escondidos no horizonte do machismo que grassa sem medidas, de alto abaixo da vida social. “Os caras sempre chamam, falam coisas. Mas, de chegar a encostar em mim, foi a primeira vez”, contou Andressa a um jornal local, atestando o triste cotidiano do que é ser mulher em pleno século XXI. Coitadas das mulheres, vítimas desses pobres homens que continuam sendo forjados, aos milhões, nos lares da família de bem, seguidora de deus, sectária da melhor moralidade possível. Coitados de nós.

*Jelson Oliveira é Doutor em Filosofia e professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É autor de vários artigos publicados em revistas nacionais e internacionais e de vários livros, além de colunista do Saúde Debate

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