A violência da pobreza menstrual

Há alguns dias soubemos do veto presidencial ao Projeto de Lei n. 4968/2019, da deputada Marília Arraes (PT-PE). O referido Projeto visa a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual e o qualifica como estratégia para a promoção da saúde e da atenção à higiene, e o consequente combate a precariedade menstrual, ou seja, a falta de recursos suficientes para o acesso a produtos de higiene e outros itens necessários para tanto durante o período menstrual. (Agência Senado)

Sem discutir os motivos do veto presidencial, precisamos nos informar melhor sobre mais esse problema pelo qual mulheres em situação de vulnerabilidade e, portanto, falta de recursos para obter produtos de higiene, passam. Precisamos lembrar que a menstruação é um fenômeno biológico, mulheres não escolhem menstruar e, portanto, não têm controle sobre isso.

No entanto, muitas mulheres em condição de extrema vulnerabilidade, pobreza, em situação prisional, por exemplo, se submetem a métodos alternativos para a sua proteção e contenção do fluxo menstrual (uso de jornal, tecidos etc), métodos estes que podem colocar sua saúde em risco. Relatório do Unicef aponta os riscos para a saúde com a utilização desses métodos inadequados durante a menstruação, como  alergia e irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais como a cistite e a candidíase, e até uma condição conhecida como Síndrome do Choque Tóxico, que pode levar à morte. (Agência Senado)

E dentre tantos riscos e danos a que essas mulheres se submetem, não podemos esquecer dos danos emocionais a que são expostas, a vergonha, insegurança e medo. Além de todos os efeitos no corpo da mulher provocados pela menstruação, como inchaço abdominal, retenção de líquidos, mudanças de humor, indisposição, náusea, mal-estar geral, dor de cabeça, nas costas e cólicas, elas ainda têm que lidar com essa precariedade relacionada à higiene.

Dessa forma, precisamos ter em mente que esses produtos de higiene, como papel higiênico, absorventes, tampões íntimos e coletores menstruais devem ser considerados como itens de primeira necessidade. Eles garantem a mulheres a liberdade de ir e vir, de trabalhar, são instrumentos de uma vida plena, vão além da higiene, garantem a dignidade dessas pessoas. Desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. (Agência Senado)

Dados alarmantes comprovam a total falta de dingnidade dessas mulheres. No mundo, segundo dados da ONU, uma em cada dez meninas falta às aulas durante o período menstrual. No Brasil, a situação é ainda pior, já que uma entre quatro estudantes deixa de ir à escola no período menstrual por não ter acesso a itens que garantam sua proteção e higiene.

A maioria das meninas passará boa parte de sua vida escolar menstruando, já que, segundo a PNS 2013, a média de idade da primeira menstruação nas mulheres brasileiras é de 13 anos, sendo que quase 90% delas têm essa primeira experiência entre 11 e 15 anos de idade.

Portanto, essas meninas deixarão de ir à escola por, pelo menos, 45 dias por ano letivo (levantamento “Impacto da Pobreza Menstrual no Brasil”, encomendado por uma marca de absorvente e feito pela consultoria Toluna).

Com isso, é fácil identificar que a menstruação se torna mais um fator de limitação à vida de meninas e mulheres, é mais um fator de desigualdade, obstáculo para que estejam no mesmo ponto de partida em relação a oportunidades.

Entre tantas questões envolvidas nesse problema, não podemos deixar de enfatizar que políticas públicas dessa natureza, que permitam a essas mulheres mais liberdade e dignidade, são verdadeiros instrumentos de desenvolvimento econômico e social, funcionam como estímulo à educação, permitem progresso do potencial econômico de homens e mulheres, é investimento, é pensar a longo prazo. Isso quer dizer que, mulheres plenamente disponíveis para estudar e trabalhar, em pé de igualdade com homens, nesse ponto e em vários outros, são instrumento de progresso, limitá-las não é inteligente.

 

Enfim, é de extrema urgência o comprometimento de todos para reforçar a necessidade de se apoiar esse projeto e tantos outros, de se comprometer com o que é básico.

 

  • Em caso de necessidade própria ou de outra mulher que esteja passando por qualquer tipo de violência, entre em contato com a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.

Este é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. As ligações para o número 180 podem ser feitas de qualquer aparelho telefônico, móvel (celular) ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, aos finais de semana e feriados inclusive.

* Viviane Teles de Magalhães Araújo é advogada com atuação no mercado corporativo nas áreas cível e trabalhista; Mestra em Direito (Direitos Fundamentais Coletivos e Difusos), Especialista em Direitos Humanos e Questão Social, MBA em Direito Empresarial, Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Autora do livro “Mulheres – Iguais na Diferença” e do artigo “A igualdade de direitos entre os gêneros e os limites impostos pelo mercado de trabalho à ascensão profissional das mulheres”, além de colunista do Saúde Debate

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