A era do cuidado

    Teóricos de várias vertentes batizaram o nosso tempo com nomes indelicados. Lipovetsky chamou a nossa de Era do vazio; Bauman, de tempos líquidos; Byung-chul Han, de era do cansaço. Outros falaram em tempos de decepção, de depressão, de niilismo. 

    Se é verdade que nem todo mundo vive destilando pessimismo e, como disse aquela senhora ao Sartre, a gente precisa falar das flores, é também verdade que todos nós vivemos afetados por ele ou pela busca desenfreada por sua superação. O segundo sintoma, aliás, pode ser mais maléfico do que o primeiro, porque inclui a ignorância sobre o próprio estado patológico. O pior doente é aquele que não sabe da doença, porque assim não começou ainda a cura. Vivemos à cata de oportunidades para não deixar que o vazio nos toque a pele. Tememos o ardume e, sinceramente, não estamos preparados para ele. Nenhuma alternativa séria, além disso, parece ter restado para os primeiros socorros. E a cura do mal, embora muitas sejam as ofertas, parece longe de ser alcançada. 

    Nesse cenário, não podemos saltar as águas turbulentas impunemente. A atitude mais acertada, enquanto não chegamos de novo ao porto (se é que ele existe) é cultivar uma arte também esquecida, o cuidado. Lançados no mundo, nos lembra Heidegger, nossas ações brotam do que em nós há de mais originário, precisamente aquele estar-no-mundo e estar-com-os-outros, ou seja, relacionando-se pela via do cuidado, descrito como uma ocupação e solicitude com os outros, com os quais coexistimos. O cuidado é a atitude da paciência, da escuta, da preocupação, da assistência, do auxílio e da atenção com os seres que dividem seus destinos conosco.

    Embora em Heidegger esse apelo não seja propriamente ético, mas ontológico, ele inspira o comportamento adequado do nosso tempo, marcado pela epidemia da intolerância, da impaciência, do descuido que desrespeita os outros seres humanos e animais e destrói a natureza. Para combater essas atitudes, precisamos preservar o cuidado como responsabilidade diante do mundo, como reconhecimento de nossa condição comum, de nossa índole compartilhada. É para isso que estamos intimados agora, investindo nossos esforços em manter as mãos atadas umas às outras em torno das causas maiores, para evitar o sofrimento e proteger a vida. 

    Por isso, cuide do seu jardim. Ame os animais. Plante árvores. Abrace mais. Dedique tempo aos idosos. Ofereça um pedaço do seu pão. Sorria, promova festas, leia poemas, mande corações. Tente sair inteiro/a dessa tempestade, por favor.