Pesquisa científica testa tratamento que pode prevenir hanseníase

O Instituto Aliança Contra a Hanseníase (AAL, da sigla em inglês Alliance Against Leprosy) está em uma nova frente de atuação no Nordeste do Brasil. Além do trabalho de treinamento e capacitação de profissionais de saúde para diagnóstico e tratamento precoce da doença, agora a instituição apoia uma pesquisa de prevenção à hanseníase, doença considerada negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Até o dia 7 de dezembro, uma equipe de 10 pesquisadores e profissionais de saúde se reúne em Imperatriz (MA) para examinar o maior número de pessoas entre as 5.000 tratadas nesse projeto, que estão sendo avaliadas após 5 a 10 anos anos, com o objetivo de testar se um conjunto de medicamentos que elas receberam entre 2010 e 2015 podem prevenir contra o adoecimento por hanseníase.

A primeira pesquisa a receber incentivo do AAL é realizada em parceria com pesquisadores do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária e Hanseníase (CREDESH), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais; a empresa Peróxidos do Brasil; Ministério da Saúde; e Secretaria Municipal de Saúde de Imperatriz, no Maranhão, cidade com baixo IDH e considerada uma das regiões hiperendêmicas do país, que ocupa o segundo lugar no ranking mundial de casos de hanseníase.

O estudo, com duração de três anos, já está em andamento e será concluído ao final de 2020. Cinco mil pessoas estão sendo avaliadas e acompanhadas para análise da eficácia da quimioprofilaxia para prevenção da doença. A expectativa da comunidade médica e científica nacional e internacional é validar uma alternativa de controle da transmissão e proteção contra essa doença, que atinge os nervos da pele e pode causar sequelas gravíssimas, com deficiências físicas e incapacitantes.

“É um estudo ambicioso e a sociedades científica nacional e internacional estão aguardando os resultados desse estudo, para validar uma estratégia adicional para o controle dessa doença, que não tem prevenção primária, isto é, não tem vacina específica”, comenta a médica dermatologista e hansenologista Laila de Laguiche, que é fundadora do AAL, com sede em Curitiba e atuação em todo país.

 

A pesquisadora responsável pelo projeto é a professora titular da UFU, Dra. Isabela Maria Bernardes Goulart, que também é membro do Conselho Executivo do Instituto AAL e enfatiza a importância desse projeto que utiliza medicamentos preventivos. “Esse é o único projeto brasileiro e mundial que está investigando se a quimioprofilaxia com administração de três medicamentos seria efetiva para diminuição da transmissão do bacilo e proteção contra a doença”, ressalta. Os cinco mil contatos investigados são pessoas que já convivem com pacientes de hanseníase.

Os participantes recebem duas doses do esquema ROM (rifampicina, ofloxacino e minociclina) com intervalo de um mês, indicado para todos os contatos familiares sadios dos pacientes com hanseníase, associada à vacina BCG-ID, com o objetivo de protegê-los contra a doença a longo prazo, já que o bacilo tem um tempo de incubação muito longo, em média de cinco a dez anos.

“Em um contexto de aumento da resistência medicamentosa é fundamental testarmos alternativas para realmente eliminar o bacilo que causa hanseníase nesse grupo de maior risco de adoecer. Acreditamos desde 2010, quando iniciou essa pesquisa, que não poderíamos usar monoterapia apenas com rifampicina, e nem dose única, por ser uma bactéria de crescimento lento, por isso usamos três medicamentos e em duas doses. Os resultados desse projeto poderão nortear o controle da hanseníase no Brasil e no mundo!”, completa Isabela Goulart. 

Sobre a hanseníase

A hanseníase é uma doença crônica infecciosa causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que se multiplica lentamente e pode levar de cinco a dez anos para surgirem os primeiros sintomas e sinais. A patologia afeta principalmente os nervos periféricos e está associada a lesões na pele, como manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, ressecamento e perda de sensibilidade. O diagnóstico tardio pode deixar graves sequelas, especialmente a incapacidade física com deformidades em mãos e pés, podendo levar também à cegueira.

Até 1995, a Hanseníase era conhecida como Lepra. Em março daquele ano, entrou em vigor a Lei 9.010, que alterou a terminologia oficial no Brasil, mas que não representou mudança significativa nos desafios e preconceitos vividos pelos portadores da doença. Embora tenha cura e o tratamento ser gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a hanseníase é difícil de ser identificada.

 

Números alarmantes de uma doença negligenciada

Apesar da invisibilidade, a hanseníase faz parte de uma chocante realidade no Brasil. O país é o segundo com o maior número de casos no mundo, atrás somente da Índia. Segundo dados do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2018 foram detectados 28.660 casos novos no território brasileiro, com 1.705 casos em crianças e 8,5% de casos incapacitados no diagnóstico. Em 2017 foram detectados 26.875 novos casos e em 2016 foram 25.218 casos, demonstrando uma tendência crescente na detecção de casos da doença.