Mesmo que o fim da pandemia de covid-19 ainda não tenha sido decretado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o arrefecimento da propagação da doença traz alívio e nos permite vislumbrar o retorno a um cotidiano com menos restrições. Porém, os efeitos da disseminação da doença estarão presentes por muito tempo, já que as consequências coletivas da maciça contaminação e, principalmente, dos longos períodos de isolamento e distanciamento social provocaram alterações no modo de vida e também em aspectos relacionados à saúde das populações.
O desenvolvimento infantil é um desses pontos, já que as restrições a que todos foram submetidos trouxeram comprometimentos para que a nova geração seguisse os passos da “normalidade”. Não à toa, as crianças nascidas nesse período já são classificadas como “bebês da pandemia”, e possuem especialmente a questão da linguagem como uma das mais afetadas.
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“O isolamento social comprometeu a interatividade entre as crianças e, também, delas com os adultos. Períodos prolongados em casa, ausência da escola, relacionamento impedido com colegas, tudo isso interfere no desenvolvimento da linguagem e, por consequência, na esperada evolução da comunicação nos primeiros anos de vida”, analisa a fonoaudióloga do Conselho Regional de Fonoaudiologia (CREFONO 3), Denise Terçariol, especialista em Linguagem e Mestre em Fonoaudiologia.
Em um período no qual a observação, a imitação e a repetição de comportamento são grandes aceleradores do desenvolvimento, a redução drástica de vivência de situações ampliadoras do repertório das crianças dificultou a evolução da comunicação oral das crianças. E o estímulo abaixo do desejado persiste até hoje, mesmo com o enfraquecimento da pandemia, momento em que o uso de máscara ainda é recomendável.
“Elas são essenciais na prevenção da doença, mas, por outro lado, acabam impedindo que a criança visualize a boca do seu interlocutor. Essa observação, por parte da criança, auxilia no desenvolvimento da linguagem e da fala. Sem contar que a máscara acaba abafando o volume do som da fala. Tudo isso se soma a falta de estímulo em casa, já que pais e cuidadores, em grande parte dos casos, precisam conciliar o trabalho com os cuidados com os filhos, principalmente nos momentos em que as escolas paralisam suas atividades presenciais”, avalia a especialista.
Como consequência dessa característica, generalizada, as autoridades de saúde dos EUA já discutem e estabelecem novos marcos do desenvolvimento infantil levando em consideração atrasos de desenvolvimento da fala em decorrência da pandemia. Embora, por aqui, a Sociedade Brasileira de Pediatria não tenha estabelecido novos parâmetros de avaliação, as perdas observadas nos consultórios e clínicas por médicos e fonoaudiólogos tem preocupado os especialistas.
A fonoaudióloga Denise Terçariol afirma que no Brasil pesquisas no campo fonoaudiológico estão sendo realizadas para investigar os impactos da pandemia no desenvolvimento da linguagem. Para esta profissional, isso começou a ser esperado já durante os primeiros meses de pandemia. “Tenho recebido crianças com menos de 3 anos de idade, que estão demorando mais para começar a falar. E as mais velhas, com comprometimento na aquisição de um vocabulário robusto e adequado para a sua idade. Privadas de estímulos no dia a dia, a observação foi comprometida e a descoberta do novo, por meio da nomeação de objetos e itens da natureza que nos cerca, foi seriamente reduzida”. Além disso, o excesso de tempo de exposição a telas também é um fator a ser considerado, segundo a profissional.
Ela orienta que o momento de procurar um fonoaudiólogo para avaliação da criança é aquele em que pais e cuidadores percebem a falta de repetição do que se é dito a elas, a pobreza na utilização de palavras para se expressar, a preferência em apontar para algo em vez de nomear o objeto, bem como a escolha pela brincadeira solitária, sem interação.
“Não tem segredo. A dica é estimular ao máximo a criança, dialogando, reservando tempo de qualidade com ela, realizando passeios e atividades ao ar livre e incentivando o contato com outras crianças. É momento de perder a vergonha: cantar, dançar, fazer estímulos visuais, contar histórias e fazer de tudo pelos pequenos. E, é claro, caso perceba que algo não vai bem, a consulta ao fonoaudiólogo é sempre a medida indicada”, diz Denise Terçariol.
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