Comer, alimentar-se é um dos prazeres que temos na vida. Uma boa alimentação, saudável, com uma mastigação adequada (bilateral) e sem dificuldades para engolir, é o ideal para todos. A deglutição é um ato involuntário e cotidiano, engolimos a saliva o tempo todo, e não paramos para pensar em como este processo ocorre. Porém, é considerado um processo complexo, que envolve toda uma gama de músculos e estruturas comandadas por uma rede neuronal.
Algumas pessoas ao longo da vida, podem apresentar alguma dificuldade no processo da deglutição, seja por envelhecimento (presbifagia) ou como sintoma secundário de uma outra doença, podendo acometer qualquer parte do trato digestivo, desde a boca até o estômago.
Nestes casos, ocorre o que chamamos de DISFAGIA, ou seja, a dificuldade para engolir o alimento ingerido no trajeto da boca até o estômago. Estas dificuldades são mais comuns em idosos e pacientes com doenças neurológicas ou que sofreram algum trauma na boca ou garganta. É importante a observação de sintomas como dor ou desconforto ao engolir; sensação de que a comida ou bebida ficou presa ou que machucou; engasgos; tosse durante o processo da deglutição; excesso de salivação, pois podem ser indicativos de disfagia.
As dificuldades na deglutição podem ocasionar déficits nutricionais, implicações pulmonares (pneumonias broncoaspirativa) interferindo na qualidade e expectativa de vida e nos casos de internação é um fator que aumenta o tempo de internação hospitalar.
Alguns sintomas que podem aparecer são: regurgitação, aspiração traqueobrônquica, pirose (azia), rouquidão, soluço e odinofagia (dor na deglutição). Quando uma pessoa relata alguns desses sintomas é importante uma avaliação médica e fonoaudiológica.
A disfagia pode ocorrer devido a traumas de cabeça e pescoço, de acidente vascular encefálico, de doenças neuromusculares degenerativas, de câncer de cabeça e pescoço, de demências e encefalopatias. Reflete problemas envolvendo a cavidade oral, faringe, esôfago ou transição esofagogástrica.
A grande preocupação das dificuldades na deglutição é que num processo alterado pode ocorrer a entrada do alimento na via aérea inferior, resultando em tosse, sufocação/asfixia, problemas pulmonares e aspiração. As pneumonias aspirativas são um grande problema apresentado nas disfagias.
DIA DE ATENÇÃO À DISFAGIA
Com o objetivo de alertar e conscientizar a população e profissionais de saúde sobre esse problema, foi escolhido o dia 20 de março como o Dia de Atenção à Disfagia.
Com a pandemia da Covid-19 e o número de pacientes contaminados necessitarem de hospitalização e intubação, a campanha deste ano é mais importante, pois a disfagia está muito associada a Covid-19. E, não são somente os casos que necessitaram de intubação que preocupam. Já existem estudos comprovando que pacientes pós-covid podem apresentar alteração no processo da deglutição, devido a fraqueza/fadiga muscular.
Em artigo publicado por Fernández, Cabrera, Fernández & Olcese (2020) salientam que o aumento do esforço respiratório, o uso de dispositivos de apoio ventilatório, o comprometimento neurológico e alterações pós-intubação levaram ao aumento dos casos de disfagia. Os autores relatam que de 3% a 62%, apresentam disfagia durante a internação e em média 60% continuam com sintomas disfágicos após a alta hospitalar.
Vamos entender porque pacientes com Covid-19 são considerados em risco de disfagia ou de algum comprometimento da deglutição.
Fisiologicamente falando a deglutição e a respiração são funções coordenadas. Quando o reflexo da deglutição é acionado, a respiração é interrompida, isto requer a ativação de estruturas anatômicas comuns. Está ligação entre as duas funções é necessária para garantir a troca gasosa sem esforço durante a respiração oronasal e para evitar a aspiração durante a deglutição. Este mecanismo é interrompido durante a intubação.
Lima et all (2020) salientam que a “intubação prolongada demonstrou alterar os mecanorreceptores e quimiorreceptores das mucosas faríngea e laríngea, além de causar atrofia muscular e perda da propriocepção”. Reduzindo a sensação faríngea e laríngea, ocorre risco maior do paciente aspirar silenciosamente alimentos e líquidos para as vias aéreas superiores, podendo levar a infecção torácica e pneumonia, desnutrição, aumento do tempo de internação hospitalar e readmissão para o hospital.
Já os pacientes considerados leves e moderados, que não precisaram de hospitalização, ou quando hospitalizados não precisaram de intubação, ocorre com frequência relatos de fadiga e a fraqueza muscular. A fraqueza muscular pode levar a sarcopenia, que é a diminuição da massa muscular, que interfere na deglutição, levando o paciente a apresentar disfagia.
Portanto, estes pacientes devem ficar mais atentos a deglutição e qualquer dificuldade apresentada deverá procurar atendimento.
* Jaqueline Maria Oliani Ijuim (CRFa 3 – 4662-2) é fonoaudióloga e vice-presidente do Conselho Regional de Fonoaudiologia – 3ª região (Crefono3)
Referências:
FERNANDEZ R., Lara; CABRERA S., Natalia; FERNANDEZ O., Diego y OLCESE T., Lorena. Disfagia en tiempos de COVID-19. Rev. Otorrinolaringol. Cir. Cabeza Cuello [online]. 2020, vol.80, n.3 [citado 2021-03-03], pp.385-394. Disponible en: <https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-48162020000300385&lng=es&nrm=iso>. ISSN 0718-4816. http://dx.doi.org/10.4067/S0718-48162020000300385.
LIMA, Maíra Santilli de et al. Resultados preliminares de um estudo clínico para avaliar o desempenho e a segurança da deglutição em pacientes críticos com COVID-19. Clínicas [online]. 2020, vol.75 [citado 2021-03-03], e2021. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-59322020000100511&lng=en&nrm=iso>. Epub, 12 de junho de 2020. ISSN 1980-5322. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e2021 .
Leia outros artigos publicados no Saúde Debate
Conheça também os colunistas do Saúde Debate
Leia outras colunas do Crefono 3 clicando aqui.