Todos os dias, em todos os lugares, mulheres correm de um lado para o outro para atender demandas que nem sempre são claras na sua necessidade e nem na sua execução, mas são essenciais para a vida fluir.
Falamos de demandas e necessidades que não são os objetivos finais das pessoas, mas são a base para que se alcance esses objetivos, como, por exemplo, a roupa que você veste, a comida que você come, a despensa abastecida, o banho e tosa de seus animais, a consulta médica marcada, os exames agendados, as contas pagas em dia, a TV consertada, o seu filho com o material escolar completo e o uniforme limpo, os seus pais idosos atendidos nas suas necessidades de saúde, de apoio na velhice e outras infinitas tarefas do dia a dia que fazem a diferença, mas que não são contabilizadas na forma como deveria.
E outro ponto a se notar é que estas tarefas, na grande maioria das famílias, são realizadas por mulheres, independentemente se têm um trabalho formal ou não. Se tudo “corre bem” e as tarefas são realizadas, nada se percebe, mas se não são, há cobrança e a responsabilidade é rapidamente dirigida a elas, às mulheres, qualquer uma: a mãe, a irmã, a cunhada, a filha, a vizinha, a amiga. Sim, há homens que assumem essas responsabilidades, mas ainda não fazem a diferença, ainda não há divisão justa.
O resultado são mulheres sobrecarregadas e culpadas, porque ainda vivemos sob a cultura de que mulheres são cuidadoras e homens são provedores. No entanto, hoje mulheres também são provedoras, muitas as únicas, trabalham com o cuidado – não remunerado – e precisam trabalhar para trazer o sustento, enquanto homens, em maioria, não se comprometem com cuidados na mesma medida.
Não raro nos deparamos com mulheres que precisam trabalhar fora e não têm com quem deixar seus filhos pequenos, não podem pagar por uma boa escola, as creches não atendem os horários comerciais e essas mulheres se veem sem saída e sem apoio. A questão foge dos ambientes familiares e particulares e alcança a atuação social, a reação do Estado e da sociedade para que essa situação mude.
Sim, é preciso o comprometimento de todos para que haja evolução social e cultural, as famílias precisam funcionar de forma mais otimizada, ensinar a todos os trabalhos de cuidado, dividir tarefas, mostrar a importância desses cuidados para as próximas gerações, retirar o peso das mulheres e diluir o trabalho. Falamos de trabalho, mas também de saúde física, mental e pscicológica. Falamos de humanidade, de solidariedade e educação.
Por fim, falamos de economia. Estas tarefas de cuidado são essenciais para viabilizar o trabalho formal e externo de todos os membros da família e representam 75% do trabalho de cuidado não remunerado no mundo, ou seja, 75% deste trabalho é realizado por mulheres. Um impacto gigantesco na vida de mulheres e uma perda econômica significativa para todos. (Oxfan 2020)
São 12,5 bilhões de horas, todos os dias, dedicadas ao trabalho não remunerado de cuidado por mulheres e meninas. Todas essas horas de trabalho, caso fossem remuneradas, poderiam gerar uma contribuição para a economia global de US$ 10 trilhões por ano. (Oxfan “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade.” 2020)
No Brasil, 85% do trabalho de cuidado, não remunerado, é realizado por mulheres, as quais dedicam 21 horas semanais para esse trabalho, enquanto homens dedicam 11 horas, num funcionamento desigual, na divisão desigual do trabalho, o que influencia demasiadamente na trajetória de vida das mulheres, na sua trajetória pessoal e profissional. Mulheres deixam de produzir para atender ao trabalho não remunerado.
Enfim, o trabalho invisível e não remunerado de mulheres viabiliza o trabalho externo de outros membros da família, em geral de homens, mas, por outro lado, inviabiliza o seu crescimento pessoal e profissional, não sobra tempo para produzir e contribuir, também, para o crescimento social e econômico. Algo a se pensar.
* Viviane Teles de Magalhães Araújo é advogada graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO, com atuação no mercado corporativo nas áreas cível e trabalhista; Doutoranda em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Mestra em Direito (Direitos Fundamentais Coletivos e Difusos) pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP – Piracicaba/SP; Especialista em Direitos Humanos e Questão Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná; MBA em Direito Empresarial pela FGV – Fundação Getúlio Vargas – Campinas/SP; Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – Campinas/SP (2008/2010). Autora do livro “Mulheres – Iguais na Diferença” (ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2018) e do artigo “A igualdade de direitos entre os gêneros e os limites impostos pelo mercado de trabalho à ascensão profissional das mulheres. (25 ed.Florianópolis: CONPEDI, 2016, v. , p. 327-342).
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