Depois de um ano e dois meses a população mundial, atônita, ainda convive com uma pandemia de dimensões inigualáveis. Chegamos a 470.978 óbitos e 16.841.954 casos contabilizados no Brasil até 5 de junho e apesar da vacinação incipiente e desordenada avançar lentamente não há indícios de arrefecimento da pandemia.
Os fatores para que isso ocorra são múltiplos: “negacionismo” em relação à doença com a disseminação do conceito errôneo de imunização de “manada” onde a população tem a falsa sensação de que a evolução da Covid-19 é inexorável e deveria contaminar a todos até que se cumpra um ciclo, quando na verdade, muitas mortes podem ser evitadas; não cumprimento das regras básicas de formas de evitar a disseminação da pandemia – as únicas comprovadas – que são o isolamento social, o uso de mascaras adequadas, álcool gel, lavar as mãos, não realizar eventos que propiciem a aglomeração de pessoas, etc; uso de medicações de eficácia não comprovada no combate à doença como é o caso da hidroxicloroquina, da ivermectina e outras como se fossem formas de “evitar” a doença, conceito que vem sendo propalado inclusive por médicos, comunicadores, clérigos e políticos, sem fundamentação cientifica adequada; combinação fatal entre o não cumprimento do isolamento social e a vacinação lenta, propiciando a disseminação de novas cepas virais com características de infectividade e morbi-mortalidade diferentes alargando as faixas etárias atingidas e alto grau de capacidade de se disseminar em nosso meio; cansaço com o longo tempo de isolamento social; problemas econômicos, sociais e de saúde mental ocasionados tanto pelo isolamento prolongado quanto pela disseminação desenfreada de conceitos incorretos sobre a pandemia, dentre outros.
Portanto, existem duas questões importantes a serem colocadas sob o ponto de vista epidemiológico que devem interferir na análise da evolução da pandemia: o primeiro é que o processo de disseminação não ocorre de fato em picos, como propalado pelos estudos do Imperial College London nas suas modelagens estatísticas – a doença está aqui o tempo todo e pensarmos em picos dá uma falsa sensação de “liberdade” que justifica aglomerações e excessos nos supostos intervalos; e o segundo ponto mais importante que tem que ficar claro para toda a população: não existirá um dia pós-pandemia, um “day after” onde tudo acabou e voltará ao normal. Isso é recorrer a um pensamento mágico que não leva em consideração a complexidade da dimensão da doença, suas peculiaridades clínicas, características de disseminação, além dos fatores imunológicos específicos que vêm sendo descobertos paulatinamente.
Teremos que conviver com a pandemia da Covid-19 por um longo tempo, talvez anos, até que ela se transforme, sob o ponto de vista epidemiológico, numa doença crônica a ser conduzida terapeuticamente pelos especialistas de uma forma segura e padronizada,o que ainda não ocorre hoje. As epidemias e pandemias são fenômenos de comportamento coletivo, não levando em consideração apenas os processos clínicos individuais na sua evolução mas, principalmente, dependente de atitudes de mobilização coletiva no sentido de evitar a propagação e comportamento mais agressivo.
Até o momento ainda não atingimos essa consciência e muitas vidas ainda poderão ser perdidas por esse desconhecimento e negação da realidade científica.
*Omar Taha é médico radiologista, presidente da Unimed Londrina, com pós-graduação no INRAD – FMUSP-SP, MBA em Gestão de Sistemas de Saúde pela FGV – ISAE e treinamento em Desenvolvimento de Cultura da Inovação no MIT – Massachussets Institute of Tecnology em Boston, MA.
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