Um mundo de pessoas expostas

Não quero nesse texto falar do Coronavírus. Quero falar das pessoas. De pacientes, parentes, empregadores e empregados, profissionais de saúde, profissionais de atendimento presencial e a distância. Cientistas e gestores. Daquelas pessoas que já tiveram a doença e daquelas que nem sabem se foram contaminadas ou não.

Inúmeras dúvidas, muitas delas antagônicas:

– O que eu sinto agora é sinal da doença COVID 19?

– Vou ao hospital ou telefono?

– Aliás, devo sair de casa?

– Isolo todos ou somente segmentos?

– Se sair, uso máscara? De pano? Duplo ou triplo? Com válvula?

– Sabão simples ou bactericida?

– Quando volto é só tirar o sapato ou tiro a roupa toda?

– Meu emprego continuará?

– Minhas habilidades aumentaram? Garantirão sustento a mim e aos meus?

– Um dos meus pais adoeceu e o outro também irá?

– O médico me perguntou sobre o que acho mais adequado: internar agora para não permitir a progressão da doença ou aguardar para internar se os sintomas agravarem?

– A hidroxicloroquina associada com azitromicina “mata” realmente o vírus quando está no hospital ou posso tomar como se vacina fosse?

– A doença é pulmonar, cardíaca, hematológica ou “transmetabólica”?

– O teste rápido (imuno) é melhor que o teste “demorado”(PCR)?

– Se for positivo estou imune para sempre? E se eu tive a doença, não “pego” mais?

– O médico ou outro profissional de saúde precisa me consultar para saber se eu estou bem ou posso consultar por teleassistência?

– Os profissionais de saúde e os cientistas tem certeza sobre as ações que estão sendo adotadas?

– Se a ciência não conhecia este novo vírus, ele foi inventado? Por quem?

– O isolamento social é uma decisão técnica ou é política?

– Acredito ou não acredito nessa notícia que estou recebendo (inclusive nesse texto)?

– O mundo será outro depois disso tudo?

– Continuo lendo esse texto?

Pois bem. Não pretendo responder aqui a essa enxurrada de dúvidas que um evento dessa grandeza produziu, produz e produzirá, pois é trabalho que a ciência levará muitos meses ou anos para responder com a acurácia devida.

Mas algumas afirmações podem ser feitas:

– É a pandemia de maior repercussão no mundo desta geração até esse momento.

– Os sistemas de saúde e a sociedade a que eles atendem, não estavam tão bem organizados quanto deveriam, mas foram capazes de responder com velocidade às necessidades.

– O vírus nivelou todas as classes, mas afetou mais os menos desprovidos de recursos imunológicos e até aqueles com menos recursos culturais e sociais.

– Há uma enorme força de comunicação na maioria das vezes boa, algumas vezes nem tanto, mas há excesso de interesses escusos por trás de notícias maldosamente forjadas ou exageradas.

– O coronavirus é e está sendo um acelerador de transformações humanas, tecnológicas e de revelações antes desconhecidas.

– Doenças crônicas e senilidade geram fatores orgânicos que diminuem a capacidade de resposta a infecções graves e desordens metabólicas que a COVID 19 provoca.

Mas, me propus a falar das pessoas.

Não resta a menor dúvida de que a atual situação despertou alguns sentimentos e condutas que estavam sendo cada vez mais encriptados na maioria das pessoas:

– desapego ao materialismo e ao consumo desmesurado,

– solidariedade,

– voluntarismo,

– saudades,

– necessidade de contato,

– expressão artística e criatividade,

– solidão,

– necessidade de melhor higienização,

– curiosidade,

– religiosidade e espiritualidade,

– consideração e reconhecimento,

– amor maior aos muito próximos e aos nem tão próximos…

Talvez o que sobrevenha de mais importante após a passagem desta gigantesca onda deva ser:

– Aumento da cooperação entre as pessoas e entre os povos.

– Aumento da produtividade laboral e da percepção do cerne da gestão empresarial, que são as pessoas.  

– Avanço tecnológico como em todas as outras grandes crises mundiais.

– Concentração de recursos em educação efetiva como grande ferramenta de melhoria das relações humanas e da qualidade de vida.

– Ciência mais preventiva, mais curativa e menos desperdiçadora de pessoas e de recursos finitos, com grande ênfase ao modelo assistencial baseado em atenção primária à saúde.

– Comunicação mais assertiva e imparcial nas várias mídias.

– Maior valorização da saúde emocional.

– Maior valorização dos momentos simples com quem amamos e menor desperdício de tempo em eventos com efeitos fugazes.

Sem querer fazer previsões, discordo muito dos que propagam que haverá um mundo mais fantasioso pós-coronavírus. Haverá sim um choque de realismo, de uma introspecção que possibilitará respondermos muito mais às nossas questões e conflitos íntimos, os quais, sendo bem gerenciados, possibilitarão um avanço pessoal, tanto espiritual como físico, que nos permitirá cultuar bons hábitos pessoais e sociais, mas acima de tudo uma visão mais coletiva de mundo. 

Como já escrevi em outro texto:

Uma nova sociedade, com outro desenho, transformando-se. Plural antes de ser singular. Ética antes de ser oportunista. Familiar antes de particular. Gênero antes de espécie. 

Se assim não for, não aprendemos, perdemos grande oportunidade. Se não formos capazes de nos reinventar, a evolução nos selecionará como sempre fez.  

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