O que surpreende é o que não se esperava, mas não é uma verdade constatada: uma avalanche de casos da Covid-19 foi prevista, e não foi contida preventivamente por falta de liderança e de ações efetivas.
O que desola e revolta é a persistente atitude de quem ainda não teve a infeliz contaminação viral, nem em si e nem com quem eventualmente tenha alguma consideração. Talvez o comportamento desse indivíduo se deva a uma inexplicável ignorância quanto a sua própria capacidade de transmitir sem ficar doente ou a um imbecilizado descaso com o coletivo; de qualquer forma, prevalece a ignorância de quem se descuida de si e dos outros. Uma minoria que contamina a maioria consciente e responsável, e que impõe à coletividade um grande prejuízo social.
O que apavora é que a premência de recursos é condicionante entre a vida e a morte. Mas a intensa solidariedade que a necessidade impõe faz com que brotem, em horas ou poucos dias, recursos físicos e humanos em lugares onde antes não floresciam. Brotam com velocidade menor que a multiplicação do vírus é certo, mas na possível velocidade humana da ação dos gestores cuidadosos e dos empreendedores do bem.
Enquanto o recurso não é pleno, a espera angustiada pelo oxigênio nosso de cada segundo persiste.
Da guerra contra o vírus e a ignorância ressurge a importância dos sempre soldados da saúde, que, com falas e atitudes seguras e cadenciadas parecem não temer o grande desafio de vencer batalha a batalha, vida a vida, cada passo de cada luta. Seres humanos formados como médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, farmacêuticos, biomédicos, psicólogos, nutricionistas, auxiliares gerais, seguranças, administradores, fornecedores, enfim todos componentes de um pelotão de abnegados, se expõem ao inimigo como se indestrutíveis fossem.
Felizmente, a maioria desses “pracinhas” e “oficiais” são muito resistentes e fortes o suficiente para dar a oportunidade de recuperação à grande maioria dos pacientes, cujos corpos servem de palco para as batalhas entre anticorpos e invasores.
Mas os soldados também sucumbem. Quase todo dia, sucumbem sob um forte desgaste físico e emocional das necessidades urgentes de cada paciente e das mortes que insistem em aumentar neste março 2021. Obrigados a escolhas difíceis, em vários momentos se defrontam com a morte e as consequências dela aos familiares e amigos.
E não só pela Covid-19. Esses soldados foram tecnicamente preparados, empregam sua visão e conhecimentos técnicos e sua capacidade de oferecer cuidados, manipulando diretamente o inimigo. Foram treinados para vencer e não desistem. Mas também sucumbem; fisicamente buscam nas suas camas e no aconchego domiciliar a recuperação do cansaço físico para retomar a luta dos dias seguintes.
O corpo fisicamente se recupera mas o componente psicológico e emocional do soldado, tal qual uma duna de areia, movimenta-se na superfície, enquanto sua base extensa tende a crescer lenta e progressivamente até se tornar verdadeira montanha a ser superada ou removida. As vezes se desmancha parcialmente, inundada por verdadeiro mar de lágrimas que o sofrimento do padecimento impõe. O que se espera é que a vitória que certamente virá, transforme a duna e a instabilidade emocional em um grande monumento sólido e belo que possa ser mostrado ao final de todas as batalhas que esses valorosos soldados estão vencendo e vencerão.
Nossas homenagens permanentes a todos os profissionais que se dedicam a lutar e salvaguardar as vidas que a Covid-19 e outras doenças insistem em tentar subtrair.
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