Aproveitando o mês em que discutimos com mais afinco questões de saúde mental, trago o tema sob a perspectiva da prevenção dos agravos do sofrimento psíquico para uma breve reflexão.
Lembrando apenas que o assunto precisa, e deve, ser discutido ao longo de todo o ano, não somente no mês de setembro.
Eu gosto de falar mais prevenção dos agravos do sofrimento em saúde mental, do que em prevenção do suicídio. Porque o suicídio é a consequência extrema de alguém que não recebeu cuidados e não teve acolhido o seu sofrimento psíquico. Se focarmos somente na prevenção do suicídio a mim dá a impressão de que então não estamos fazendo nada para prevenir que o sofrimento – já instalado – se agrave culminando então no ato autodestrutivo. Se o sofrimento não se agravar podemos prevenir muitas outras coisas, dentre elas o suicídio.
E antes disso ainda viriam questões de promoção à saúde mental, que seria uma etapa anterior ao estabelecimento de qualquer sofrimento psíquico, e bem mais distantes dos agravos, o que seria o ideal.
Ocorre que a saúde mental é ainda muito negligenciada por muitos de nós (e pela própria agenda das políticas públicas), não costumamos buscar ajuda quando algo não vai bem com nossas emoções, sentimentos, pensamentos e humor. A esfera psíquica acaba ficando em último plano. Fazemos isso com nossa saúde física também, mas com a saúde mental a negligência é ainda maior.
Por se tratar de algo da dimensão humana subjetiva fica ainda mais delicado e complexo o manejo pois é uma dor de difícil definição, localização e objetividade. Costumo dizer que é de difícil compreensão porque não há um exame que valide e detecte depressão, angústia, tristeza, desespero, desesperança. O que comprova o sofrimento é a narrativa de quem o sente. Fica então mais moroso o processo pela busca de alívio e tratamento. Ficamos naquela de “uma hora vai passar” e não buscamos ajuda, tornando então mais suscetíveis ao agravo do sofrimento, pois a ajuda para amenizá-lo não vem, ou demora demais.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde mental está relacionada à forma como uma pessoa reage às exigências, desafios e mudanças ao longo da vida e ao modo como harmoniza suas ideias e emoções. Trata-se de um bem-estar no qual a pessoa desenvolve suas habilidades, consegue lidar com os estresses da vida, trabalha de forma produtiva e encontra-se apta a dar sua contribuição para sua comunidade.
E quando esse equilíbrio não é efetivo abre-se espaço para surgirem quadros de depressão, ansiedade, síndrome de burnout, síndrome do pânico, uso e abuso de substâncias psicoativas e outros.
Infelizmente ainda encontramos muitas barreiras que impem as pessoas de procurarem ajuda no contexto da saúde mental. Essas barreiras estão atreladas ao preconceito, a vergonha, o medo de pré-julgamento, culpas, sentimento de autossuficiência (eu não preciso de ajuda) e de impotência (eu não sei o que fazer), além do próprio sistema de saúde muitas vezes sobrecarregado e com poucos recursos.
E é nesse contexto que muitas pessoas acabam vendo no suicídio um caminho para acabar com seu sofrimento, que é o que de fato alguém que comete um ato autodestrutivo busca, mitigar sua dor. E muitas vezes, num ato de impulsividade, acaba com a vida.
Nesse sentido o suicídio já é entendido como um problema de saúde pública, dadas as estatísticas alarmantes vistas no Brasil e no mundo.
A Associação Brasileira de Psiquiatria listou 4 D’s como principais causas para a tentativa de suicídio: desespero, desesperança, desamparo e depressão. Trata-se de um fenômeno multicausal, ou seja não tem uma causa única, e tem impacto direto nas esferas interpessoal, familiar, econômica e social.
Dessa forma precisamos focar em estratégias que visem a promoção de saúde mental em primeiro lugar, seguido da prevenção dos agravos de sofrimento psíquico já instalados.
Para isso precisamos falar mais do assunto, naturalizar a busca por ajuda diante do sofrimento emocional e entender que só pelo fato de sermos humanos e estarmos vivos, isso já nos torna vulneráveis a qualquer tipo de adoecimento e sofrimento, dentre eles o mental.
* Jociane Casellas é psicóloga formada pela Universidade Tuiuti do Paraná em 2000. Pós-graduada em Psicologia Clínica com ênfase na abordagem Sistêmica (UTP). Pós-graduada em Psicologia Hospitalar (HC-UFPR). Pós-graduada em Psicologia Transpessoal (FIE). Especialista em Cancerologia pelo programa de residência multiprofissional do Hospital Erasto Gaertner e Ministério da Saúde. Mestre em Bioética (PUCPR). Atuante em Cuidados Paliativos. Trabalha na área da saúde tanto na assistência como na docência, com temas sobre morte, luto, humanização, cuidado integral, comunicação em saúde.
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