Semanas atrás presenciamos uma situação constrangedora e lamentável nas redes sociais e nas mídias.
Uma estudante do nono período de medicina se expôs, e expôs uma pessoa à qual prestava atendimento. Era um plantão noturno e uma mulher chegou passando mal ao pronto atendimento quando a estudante lamuriou-se em sua rede social porque a mulher havia chegado justo na hora em que ela iria dormir, atrapalhando então o seu descanso.
Com a intenção de mostrar seus feitos enquanto estagiária num serviço de saúde, tripudiou sobre o sofrimento de uma pessoa, ironizou a situação, não levou em consideração também o sofrimento da família que por fim acabou por receber a notícia do óbito.
A jovem, estudante de uma universidade privada, não mediu esforços para postar em suas redes aquilo que julgou importante para si naquele momento, não se importando com a repercussão de sua postagem nem tampouco com a pessoa que expunha, visto que não fez questão sequer de preservar sua identidade.
Lamentavelmente vivemos um tempo em que tudo que acontece na vida real, é também referenciado no mundo virtual. A necessidade de mostrar aos outros nossos feitos, conquistas, alegrias, raiva, tristezas, frustrações etc., perde para o bom senso, para a ética, para o respeito, para responsabilidade e para compaixão. Parece que tudo é permitido no mundo virtual, sem que as consequências disso sejam medidas e levadas em consideração.
Expor a fragilidade de uma pessoa em sofrimento a torna mais vulnerável do que ela já se encontra, principalmente em se tratando de questões de adoecimento e acesso aos serviços de saúde, justamente nos espaços em que o acolhimento, o cuidado e a proteção deveriam ser imperativos.
No entanto estamos longe desse ideal. A começar pela forma como os estudantes vem sendo preparados para o trabalho e o que de fato desejam com suas escolhas profissionais. Muitos estão focados apenas em status e ganhos financeiros, e falta às universidades uma formação mais humanizada, focada no respeito à dignidade humana, principalmente nas áreas das ciências da saúde. E à sociedade como um todo também, que valores estamos perpetuando?
Associado a isso vemos uma avalanche de postagens nas redes sociais onde pessoas se expõem com a intenção de obter curtidas e visualizadas, quanto mais melhor.
Questionamos que razões estão por trás desse tipo de comportamento – muitas vezes inconsequente – ainda mais quando se trata de expor a vida e a história de pessoas as quais prestamos atendimento. E a ética onde fica? E o respeito pela dignidade e pelo sofrimento do outro? Há normas e regras para serem seguidas quando se tem a intenção de expor outras pessoas em nossas redes sociais, sobretudo em se tratando de contextos e instituições de saúde, porém são ignoradas com facilidade. No mínimo, para respaldo próprio, há que se ter um consentimento informado, o que, diga-se de passagem, nem caberia nessa situação.
A vida privada misturou-se à vida pública, e a pessoal misturou-se à profissional. O que de fato se quer mostrar com postagens infelizes como essas? Onde foi parar o bom senso?
Basta fazer uma simples pergunta: e se fosse alguém da minha família? Eu acharia legal e curtiria a postagem? A falta de empatia nos cega diante de situações desde as mais simples do cotidiano até as mais complexas.
Por fim, a estudante foi desligada do estágio, deverá responder ao conselho de ética da universidade que irá deliberar sobre sua expulsão ou não do curso, e responderá judicialmente tendo em vista abertura de processo por parte da família da paciente.
Uma oportunidade para pensarmos nossa postura no mundo virtual.
*Jociane Casellas é psicóloga formada pela Universidade Tuiuti do Paraná e atua há mais de 10 anos na área da saúde. Pós- graduada em Psicologia Clínica com ênfase na abordagem Sistêmica, pós-graduada em Psicologia Hospitalar especialista em Psico-Oncologia, com atuação em Cuidados Paliativos. Pós-graduanda em Psicologia Transpessoal e Mestranda em Bioética, além de colunista do portal Saúde Debate
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