Semana passada tive a oportunidade de receber a vacina. Faço parte do grupo de profissionais da saúde que foram chamados a se imunizar ao qual, lógico, respondi prontamente.
Enquanto estive naquela longa fila de espera fui observando as pessoas, como se portavam, como se expressavam, o que poderiam estar refletindo, esperando, sentindo, que expectativas tinham, e se porventura perderam algum afeto por conta da Covid.
Alguns liam, outros fixados no celular, outros conversavam animadamente com seus acompanhantes ou com quem haviam encontrado inusitadamente naquele contexto, talvez relembrando velhos tempos, afinal eram profissionais de saúde que podiam ou ter se formado juntos ou trabalhado juntos.
Outros ainda sozinhos, isolados, ensimesmados, reflexivos, contemplativos.
Em paralelo outras filas, com outros perfis de pessoas que também receberam o chamado para a imunização, seja por idade, comorbidade, ou algum outro fator específico associado.
Gente jovem, gente de meia idade, de todos os jeitos, pertencimentos, grupos dos mais variados. Muita gente, muita diversidade, exercendo ali um dever e um direito.
Todos com um único objetivo, imunizar-se, contribuindo assim para o controle da pandemia. Mais do que um ato de responsabilidade individual, é sem dúvida uma ação coletiva.
Alguns preocupados sobre qual vacina receberiam, outros sequer se importavam com isso.
E assim fui refletindo sobre aquele momento da vida daquelas pessoas.
Pensei no privilégio de estar naquela fila, quando tantas outras pessoas não tiveram o mesmo acesso, a chance, e o direito, que é de todos, garantido pela constituição.
Me senti feliz e agradecida. E triste ao mesmo tempo… Por todos aqueles que não tiveram essa oportunidade. Por todos aqueles que enfrentam um processo de luto dificílimo nesse momento, todos aqueles que vivenciam a dor tamanha da falta de uma despedida, da falta de um ritual que simbolizasse a separação, da tristeza de não ter podido estar ao lado de quem se ama nos momentos finais. Pelas pessoas que morreram sozinhas, isoladas, sem a possibilidade de receber o afeto e o cuidado dos entes amados.
Na semana em que chegamos à marca de 500 mil mortes, 500 mil vidas ceifadas precocemente, a dor se fez tamanha, não tem como não se sensibilizar com esse contingente de pessoas enlutadas nesse exato momento.
A literatura nos diz que, em média, para cada pessoa que morre de 07 a 11 pessoas enfrentarão um processo de luto.
Multipliquemos então 500 mil por 7, a média menor, e nos depararemos com um número estarrecedor de pessoas enlutadas, e em sofrimento.
Quantas marcas ficarão desse tempo tão sofrido … quanto tempo precisarão para que a dor dessas perdas seja amenizada. E muitos tendo que enfrentar esse momento sem uma rede de apoio adequada.
Os impactos que ficarão na saúde mental das pessoas em geral e das pessoas ligadas diretamente ao trabalho na pandemia serão incalculáveis.
Muitas histórias, muitas vidas, muitas mortes. Um tempo que será lembrado com muito pesar.
Nesse momento milhões de pessoas aguardam a sua vez de receber a vacina. Muitas delas ansiosas, inquietas, temerosas, receosas … será que vai dar tempo? Haverá vacina para todos? Quando chegará minha vez?
Tenho presenciado, ouvido, acolhido pessoas em sofrimento mental por conta desse cenário. Talvez por isso nesse dia de vacinação tantas reflexões me ocorreram e desejei profundamente que todas as pessoas, sem exceção, possam sentir-se minimamente protegidas, assim como eu me senti.
Porém, vale lembrar: mesmo que estejamos imunizados, as medidas de cuidado e de prevenção continuam! Façamos a nossa parte!
*Jociane Casellas é psicóloga formada pela Universidade Tuiuti do Paraná e atua há mais de 10 anos na área da saúde. Pós- graduada em Psicologia Clínica com ênfase na abordagem Sistêmica, pós-graduada em Psicologia Hospitalar e specialista em Psico-Oncologia, com atuação em Cuidados Paliativos. Pós-graduanda em Psicologia Transpessoal e Mestranda em Bioética, além de colunista do portal Saúde Debate
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